Brasil

O congresso fala grosso
E decide retomar o espaço perdido para o Executivo e o Judiciário

Rudolfo Lago
 

 

i76978.jpgIniciava-se a noite da quarta-feira 19 quando o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), entrou correndo no plenário do Senado, esbaforido, com os olhos esbugalhados. Num gesto inusitado, o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), tinha acabado de informar que iria devolver ao governo, sem votar, a Medida Provisória 446, que renova automaticamente o certificado de instituições filantrópicas, muitas delas suspeitas de irregularidades. "Nós devíamos ter discutido antes.

Essa decisão foi política. É um equívoco. E cria um precedente perigoso", reagiu Jucá. "Essa medida não era urgente nem relevante, além de questionável. Agi na defesa das prerrogativas do Poder Legislativo", respondeu Garibaldi. Jucá recorreu da decisão de Garibaldi à Comissão de Constituição e Justiça, e, até que ela vote, a MP não estará devolvida na prática. É ainda questionável se Garibaldi tinha mesmo poder para devolver ao governo a medida provisória sem votála. O importante, porém, é observar o que há por trás do gesto: com a imagem desgastada por seus próprios erros, o Legislativo vê a sua importância diminuída a cada dia. Executivo e Judiciário aproveitamse da inoperância do Congresso para legislar em seu lugar. Acuado, o Congresso reage. Ao contrário do que prevê a Constituição, os Poderes da República hoje estão desequilibrados e desarmônicos. E, por conta disso, conflagrados.

"É necessária uma concertação. Ou sentamos e conversamos sobre as nossas atribuições e sobre eventuais invasões de competência ou novos gestos de afirmação como o que eu tomei serão necessários", disse a ISTOÉ Garibaldi Alves Filho, em tom de ameaça. Há três semanas, numa sessão solene de comemoração dos 20 anos da Constituição, Garibaldi chegou a constranger o presidente Lula e o presidente do STF, Gilmar Mendes, cobrando dos dois em seu discurso a invasão dos demais poderes nas atribuições do Congresso. Movendo as suas baterias mais contra o Judiciário, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), protagonizou há duas semanas um bate-boca com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Ayres Britto, por conta da decisão do TSE, ratificada pelo STF, de defesa da fidelidade partidária. Antes, tivera uma discussão por carta com Mendes em razão de uma decisão do Supremo, que determinou um prazo até o início do ano que vem para que o Congresso vote uma lei regulamentando a criação de novos municípios.

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"O Poder Legislativo precisa ser respeitado", diz Garibaldi. Quanto ao abuso nas MPs, é possível que o problema diminua em breve. A câmara deverá iniciar esta semana a votação de projeto que limitará as possibilidades de uso das medidas provisórias. Já há um acerto com o governo, que não evitará a sua aprovação. Quanto às invasões do Judiciário, no entanto, talvez elas permaneçam. Mendes está convencido de que é obrigação do Supremo decidir se a omissão do Congresso cria vácuos na legislação. É o que aconteceu no caso da norma que obriga a fidelidade partidária. "Não há judicialização da política quando as questões políticas estão confi- guradas como questões de direitos", disse ele, num discurso na Universidade de Humboldt, na Alemanha, no dia 14 de novembro. "É preciso se ter em mente que o STF ocupa – e ocupará cada vez mais – a condição de uma verdadeira terceira Câmara no Brasil, ao lado da Câmara dos Deputados e do Senado Federal", tem repetido ele.

i76979.jpgResta saber se o Congresso está disposto a aceitar tal papel. Os indicadores de que reagirá são claros. A primeira decisão da Justiça que atropelou o Congresso foi quando o Supremo, ainda no ano passado, decidiu regulamentar, por ausência de lei do Legislativo, o direito de greve dos servidores públicos. Quando o TSE resolveu tornar inelegíveis os candidatos com ficha suja (decisão mais tarde derrubada pelo Supremo), a rusga com o Legislativo tornou-se inevitável. Como reação, foi por terra uma negociação feita ainda pela ministra Ellen Gracie, quando estava na presidência do STF, para que o Congresso aprovasse a elevação do valor do teto salarial do Judiciário. Por cascata, todos os salários da magistratura seriam também elevados. "Querem cobrar moralidade dos políticos e ter seus altos salários aumentados mais ainda? Vão ficar à míngua", teria reagido Chinaglia, segundo relato obtido no Judiciário.

A REBOQUE DO PODER EXECUTIVO
A decisão do presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), de devolver ao governo a MP das entidades filantrópicas não foi a sua primeira reação pelo abuso na edição de medidas provisórias. Em agosto, ele adiou por 45 dias a tramitação das MPs que estavam no Senado como forma de protesto. A reação de Garibaldi é justa: as MPs têm preferência sobre qualquer outra votação, trancam a pauta da Câmara e do Senado. Se o governo abusa do uso dessa ferramenta, o Congresso não faz mais nada além de votar medidas provisórias.

Um levantamento feito pela Secretaria-Geral da Mesa da Câmara demonstra isso de forma clara. Desde o início do ano até o dia 12 de novembro, a Câmara votou 100 diferentes matérias, entre emendas constitucionais, MPs, projetos de lei complementar e projetos de lei ordinária. A iniciativa do Poder Executivo foi absoluta: 66 propostas eram de origem do governo federal. Principalmente porque 49 delas eram medidas provisórias. Houve mais 15 projetos de lei e dois projetos de lei complementar de autoria do Executivo. "Há hoje um inaceitável desequilíbrio entre os poderes", protesta Garibaldi. "O Poder Legislativo está diminuído. Como pode haver um Legislativo que não legisla?", indaga o presidente do Senado.


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