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A história de “Um Erro Emocional” (Record), novo livro do escritor curitibano Cristóvão Tezza, se passa em um breve espaço de tempo e abriga um desajeitado discurso amoroso entre um autor e uma leitora e admiradora de seus livros. São eles Paulo e Beatriz. O escritor se revela apaixonado pela fã e classifica o que sente de “erro emocional”. Daí o título do livro. Beatriz não diz nada. Enquanto jantam, conversam e silenciam, um indiscreto narrador intervém reproduzindo a amplidão de pensamentos e os tímidos gestos dos personagens. Este é o primeiro romance de Tezza após o sucesso do autobiográfico “O Filho Eterno”.

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Leia um trecho do livro “Um Erro Emocional” :

Cometi um erro emocional, Beatriz se imaginou contando à amiga dois dias depois — foi o que ele disse assim que abri a porta, o tom de voz neutro, alguém que parecia falar de uma avaliação da Bolsa, avançando sem me olhar como se já conhecesse o apartamento, dando dois, três, quatro passos até a pequena mesa adiante em que esbarrou por acaso, de¬positando ali o vinho com a mão direita e a pasta de textos com a esquerda (e ela se viu desarmada no meio de três sinais contraditórios, o erro, o vinho, o texto, mais a espécie de in¬vasão de alguém que está à vontade — o que ela havia sonha-do, Beatriz teria de confessar à amiga, e ambas achariam graça da ideia — à vontade, mas não do modo correto) e Bea¬triz fechou a porta devagar com um sorriso de quem se vê imersa na ironia, e isso é bom; e se virou para escutar o resto, agora vendo-o com as mãos livres, a silhueta contra a luz, os braços brevemente desamparados daquele homem magro:
— Eu me apaixonei por você.
Isso acontece, ela pensou em responder, a esgrima instan¬tânea de alguém que entra num jogo difícil mas saboroso, mas não disse, o gesto lento ainda lá atrás abrindo a porta para um erro emocional, e ela de novo sorriu defensivamente em silêncio daquele provável mal-entendido, tentando colo¬car o breve evento de três segundos num quadro que lhe desse um sentido seguro, mas era impossível, porque agora, como se ela não existisse, ou (corrigiu-se) como se a reação dela fosse para ele um dado completamente irrelevante nesse momento, um “não estou interessado no que você pensa a respeito disso, o problema é meu” — e ele suspirou, puxou uma cadeira, sentou-se, abriu a pasta e, alguém que não ha¬via dito o que havia dito, de novo olhou para ela:
— Vamos conversar sobre o nosso trabalho?
Uma cena com um toque de teatro, ela avaliou, como quem põe uma moldura nesses três segundos, pendura-os na parede, e assim encerra o que não tem solução. Uma homenagem que ele me faz, uma homenagem gratuita, ela in¬terpretou, quase com vergonha. Soterrada pela timidez, pre¬feriu não dizer nada, cuidando de manter a sombra do sorriso no rosto para que ele interpretasse o seu silêncio do modo certo, isto é, não como uma reação a uma invasão agressiva de sua vida — na noite anterior acontecera apenas um jantar civilizado a três, a sincera admiração pelo bom escritor, um certo derramamento dele que ela atribuiu ao exagero do vi¬nho, dentro da medida do aceitável, nenhum vexame, e a proposta quase casual, de fim de noite, para que ela o ajudas¬se em alguma coisa que Beatriz não entendeu mas aceitou imediatamente, porque seria afinal manter contato com um escritor que se admira: e de tão poucos e ralos sinais (o tele-fonema esquisito de manhã cedo, aquela mal disfarçada afli¬ção de quem dormiu mal), ele agora irrompe abrupto em sua casa dizendo-se apaixonado, sem sequer olhar para ela — que ele mesmo interpretasse o silêncio dela, Beatriz seguiu planejando, enquanto procurava o saca-rolhas na gaveta da cozinha, onde desta vez não estava, não como uma recusa da paixão (e sorriu da ideia, paixões não se recusam — apenas explodem e sobrevivem independentemente da ação dos en¬volvidos), mas como um precavido e cuidadoso e sensato pé-atrás.