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Quando Luis Urzúa, 54 anos, o último dos 33 trabalhadoresresgatados de uma mina a quase 700 metros de profundidade, subiu à superfície, às 21h55 da quinta-feira 14, o acampamento Esperanza, no deserto do Atacama, explodiu de alegria.
Terminava ali o pesadelo de 70 dias dos mineiros e de suas famílias, seguido ao vivo por cerca de um bilhão de pessoas.
Havia quase 24 horas que os olhos do planeta estavam voltados para o Chile, ávidos por acompanhar o espetacular resgate – atenção que talvez o país só tenha ganho quando sediou a Copa de 1958. Com a ajuda de câmeras na mina e imagens geradas em pool no solo para canais de tevê de todo o globo, cerca de 1.500 jornalistas reportaram o triunfo de uma das mais complexas operações de salvamento já realizadas, a maior do gênero envolvendo a arriscada atividade da mineração.

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Ali mesmo, sob o céu estrelado do Atacama, Urzúa, uma das lideranças dos mineiros, desandou a falar. Contou ao presidente chileno Sebastián Piñera um pouco do martírio do confinamento, sobretudo nos primeiros 17 dias que se seguiram ao desmoronamento que fechou a saída da mina. Nesse período, não se sabia que os mineiros estavam vivos. “Tínhamos pouca comida”, relatou Urzúa. “No final (daqueles dias), estávamos comendo a cada 48 horas para deixar algo para depois.” Sua dieta eram duas colheradas de atum, um copo pequeno de leite, metade de uma bolacha e pedaços de pêssego. O que se viu, porém, a partir da localização de “los 33” foi uma irretocável operação de manutenção de seus corpos e espíritos até que fosse possível resgatá-los. Tanto que, quando brotaram da terra, um a um, a bordo da cápsula Fênix 2, o mundo se surpreendeu por não ver moribundos saindo do que poderia ter sido suas covas. Os mineiros surgiram sorridentes e barbeados, bem dispostos, alguns até eufóricos. “Chi-Chi-Chi, le-le-le, mineros de Chile”, gritou Mario Sepúlveda, 39 anos, o segundo a ser resgatado, regendo o coro de operários que atuava do lado de fora do fosso de apenas 66 centímetros de diâmetro pelo qual a Fênix fez as viagens rumo ao centro da Terra. Apelidado de “Super Mario”, ele tornou-se o mais famoso dos 33 por ter virado o apresentador oficial do grupo ao descrever o dia a dia no subsolo.

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RETORNO
Os mineiros passaram por exames
médicos logo que saíram da mina e tiveram
de usar óculos escuros para se proteger da luz
 

A operação foi um sucesso sob todos os aspectos. Mas há algo que o planejamento irretocável não tem como garantir. Superada esta etapa, os sobreviventes da mina de San José terão de enfrentar e a nova vida aqui fora – e a si mesmos. Os mineiros tiveram de reinventar um cotidiano no subsolo, conviver com a perspectiva de morrer, com o calor intenso e com a fome. Essa experiência, infelizmente, não se encerra com o salvamento e o desmanche do acampamento Esperanza. “A euforia da libertação não é suficiente para eliminar o trauma. Eles vão ter de encarar a vida como ela é, com todas as suas sequelas”, diz o psiquiatra Jairo Werner, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). É nessa hora que as lições de outras pessoas que também passaram por dramas extremos podem ser valiosas.

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Os 33 mineiros começaram a ouvi-las ainda na escuridão da mina San José. Lá em cima, à luz do sol do Atacama, estiveram quatro dos 16 uruguaios sobreviventes do episódio conhecido como a Tragédia dos Andes. Foram ao Chile prestar solidariedade, mas, sobretudo, falar aos mineiros da importância de se organizarem lá embaixo. Essa providência, contaram, foi um dos motivos para terem sobrevivido 72 dias nas montanhas geladas a 30 graus abaixo de zero em 1972, quando o avião em que viajavam se chocou com a Cordilheira dos Andes. Havia 45 pessoas a bordo e 29 morreram. Dez dias depois do acidente, os 16 restantes ouviram pelo rádio que a busca por eles havia se encerrado. Para continuar vivos, tiveram de superar o tabu de comer carne humana. “Isso é algo que impressiona quem não sabe o que são 30 graus abaixo de zero e não sabe o que é ver um amigo morrer em seus braços”, diz o cardiologista Roberto Canessa, um dos sobreviventes. Os uruguaios foram salvos depois que dois dele se aventuraram pela cordilheira até encontrar ajuda.

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Resgatar a rotina, porém, foi um processo bem mais longo. “Levei mais de um ano para me inserir na sociedade”, diz Eduardo Strauch, outro sobrevivente. “O tempo passava e eu não me acostumava. Ninguém sabia como lidar comigo, me superprotegiam, me sufocavam.” Ele achava a vida insossa, deprimente e incompreensível. Hoje, diz, precisa retornar à montanha de tempos em tempos para se reabastecer contra a vaidade e a vida cotidiana. Fernando Parrado, outra vítima, preferiu não guardar nenhuma lembrança do local. “Aceito tudo e não olho para trás”, diz ele, que só resolveu fazer uma palestra sobre o tema 20 anos depois do acidente.

PARTE 2