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O brasileiro ri para estreitar laços, criar intimidade, seduzir, se mostrar inteligente e, principalmente, para se sentir mais leve e feliz. Essas foram algumas das conclusões de um estudo feito pela antropóloga Mirian Goldenberg sobre a cultura da risada. De todos os achados de seu levantamento, o que mais chamou a atenção da pesquisadora foi a diferença entre os gêneros: o brasileiro ri bem mais do que a brasileira – 84% dos homens ouvidos disseram rir muito, enquanto 68% das mulheres disseram o mesmo. Além disso, mais da metade das entrevistadas (60%) confessou que gostaria de rir mais. Outra diferença foi o olhar de cada um sobre quem ri. Os homens não conseguiram apontar nenhum defeito em quem dá risada o tempo todo. Já elas foram categóricas: quem ri à toa é bobo, idiota, inconveniente e inoportuno. Para elas, os mais fechados mostram seriedade, sobriedade e impõem respeito.

E por que, afinal, as mulheres são mais sisudas? A explicação dada pelas próprias entrevistadas de Mirian, autora dos livros “Toda Mulher é Meio Leila Diniz” e o recém-lançado “Intimidade”, é que rir demais pode ser malvisto pela sociedade. Pega mal até profissionalmente. “Elas temem não parecer sérias”, diz. A antropóloga acredita que o riso é uma construção social. E que as mulheres são criadas desde a mais tenra idade para a discrição. O riso é contido nas meninas até durante as brincadeiras. “Enquanto os meninos brincam de forma expansiva e lúdica, cercados de super-heróis e rolando pelo chão, as meninas cozinham em panelinhas imaginárias, sentadas e comportadas”, explica Mirian.

Para a filósofa e psicóloga Viviane Mosé, especialista em Spinoza, filósofo do século XVII que estudava a alegria, o riso não é uma construção social, mas sim um ato espontâneo, natural, impossível de ser criado. “Riso não se aprende, ele acontece”, diz. Um estudo americano feito em 2007 pela Universidade de Maryland concluiu que o riso é natural, sendo um dos sinais sociais mais honestos que existem. Segundo os pesquisadores, ele surgiu como um instinto de sobrevivência e se tornou um processo involuntário. Até é possível contê-lo, mas poucos conseguem forçá-lo de forma convincente.

“Apesar de natural, ele pode ser tolhido pela civilização”, acredita Viviane, para quem as mulheres são organicamente mais risonhas que os homens – tanto que ela divide as culturas entre feminina e masculina. A africana, risonha e expansiva, é feminina. A alemã, gélida e contida, masculina. A filósofa lembra que, durante muitos anos, assim como no campo religioso o riso era considerado coisa do diabo, no campo intelectual predominou o pensamento cartesiano – lógico, metódico e pragmático. E, assim, o riso tão espontâneo e natural foi relegado ao segundo plano. A tal ponto que até as mulheres se convenceram de que não é tão vantajoso assim viver a sorrir.

Também chamou a atenção da antropóloga Mirian em seu estudo as razões que fazem cada gênero rir. Para os homens, estar com os amigos falando bobagens é o motivo primeiro para uma boa gargalhada. Para as mulheres, basta estar feliz. “O homem tem na risada o principal elo de intimidade com os amigos”, diz ela. “Enquanto a mulher precisa desabafar e falar sobre coisas profundas para criar laços com as amigas, para ele, basta rir”, explica. Ou seja, enquanto as mulheres precisam de muita D.R. (discutir a relação) para aprofundar seus relacionamentos, os homens preferem outra D.R.: dar risada.

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A maioria dos homens ouvidos por Mirian disse que se sente reprimido pela parceira e que fica mais à vontade com os amigos. Com eles, dizem, podem ser quem realmente são. E quase todos afirmaram que adorariam ter par­ceiras que­ rissem mais. O depoimento de um de seus entrevistados, um músico de 40 anos, mostra o espírito desse homem diagnosticado pelo estudo: “Eu gosto de rir de bobeira. Meus amigos falam tanta bobagem que estamos sempre rindo, do nada e por nada. Acho que as mulheres se levam a sério demais. Como não liberam o riso, não liberam o sexo.”

A associação entre a contenção do riso e as vontades reprimidas foi pontuada por Freud. Em um artigo de 1928, intitulado “Humor”, ele tratou o riso como uma forma de driblar a repressão dos impulsos. Mais tarde, o sociólogo alemão Norbert Elias, em sua obra “O Processo Civilizatório”, mostrou como os bons modos reprimiram o riso na Europa ao longo dos últimos séculos. O tema, no entanto, é analisado desde a Grécia Antiga. Foi Aristóteles o primeiro a estudar a arte e, dentro dela, a tragédia e a comédia. É ele o autor da célebre frase: “O homem é o único animal que ri.”

É também a risada o mote por trás do mistério que ronda o livro “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco. Na trama, uma obra de Aristóteles sobre o riso é mantida escondida a sete chaves na biblioteca de um mosteiro para evitar que os religiosos sejam contaminados pelas ideias do filósofo. Segundo o abade que se empenha em manter o “riso” trancafiado na torre, quem ri não teme, e quem não teme não tem Deus. O filme se passa na era medieval – tempo no qual a risada era coisa de herege.

Ato involuntário, construção social, feminino ou masculino. O riso é um pouco disso tudo. Tanto que se tornou objeto de estudo das mais diversas áreas. Mas numa coisa todos os especialistas concordam: rir é contagioso. E faz bem à saúde.

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