Devorar um pote de sorvete depois do término do namoro, comer uma caixa de bombons enquanto tenta resolver um problema no trabalho ou acordar para atacar a geladeira numa noite de solidão. É difícil encontrar quem ainda não tenha passado por situações como essas. Recorrer à comida para aplacar a angústia é hoje uma das práticas mais comuns, principalmente entre os habitantes de cidades grandes, submetidos a intensas pressões em casa e no trabalho. O fenômeno é mundial. Na Inglaterra, por exemplo, uma pesquisa recente revelou a enorme relação entre comida e emoção. O trabalho contou com a participação de duas mil pessoas entre 16 e 54 anos – algumas com excesso de peso e outras
em dia com a balança. Nada menos que 43% dos voluntários confessaram comer muito quando estão estressados, ansiosos ou mal-humorados. “O estudo mostrou que os sentimentos interferem na forma como o indivíduo come”, disse a ISTOÉ Peter Smith, especialista em distúrbios alimentares do Hospital Priory, em Londres, coordenador do trabalho.

Essa constatação tem impulsionado os cientistas a investigarem mais a fundo as razões que levam o homem a buscar na comida um auxílio. Na verdade, trata-se de uma relação antiga, que começa na infância. Uma das primeiras sensações prazerosas experimentadas pelo bebê é a de ser amamentado. O leite materno alimenta na medida certa e ainda traz a deliciosa vantagem de manter a mãe muito por perto. É um momento em que fome física e de aconchego são saciadas. “Além disso, é comum que a mãe ofereça o peito simplesmente para acalmar a criança”, explica a psicóloga Lilian Sharovsky, do Instituto do Coração de São Paulo (Incor). Dessa maneira, estabelece-se com a comida um vínculo de afeto e prazer que muitas vezes permanece durante a vida como uma forma de resolver qualquer tipo de problema.

Esse processo costuma ser mantido depois, com as crianças maiores. “É comum chegar em casa e a mãe empurrar algo para o filho comer, principalmente quando ele está triste”, diz Lilian. Além dessa relação estabelecida já nos primeiros meses de vida, a comida também acaba se tornando um ótimo escape por uma razão muito simples. Ela está perto de todos e é fácil de ser obtida. “Comer é a ajuda que está mais à mão”, afirma o psiquiatra Arthur Kaufman, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP).

Os cientistas já descobriram, no entanto, que também há razões fisiológicas que contribuem para que os alimentos funcionem como bálsamos de nossas dores. Os doces, principalmente, aumentam os níveis de serotonina (substância responsável pela comunicação entre os neurônios) que se encontram em desequilíbrio quando se está ansioso ou deprimido. É como se o cérebro entendesse que diante de um aborrecimento precisaria se nutrir para amenizar o problema. A partir daí, cria-se um sistema em que a comida é considerada uma compensação. O risco é de que o indivíduo caia em um círculo vicioso. A secretária aposentada Norma Antônia Souza, 66 anos, de São Paulo, por exemplo, está tentando sair dessa armadilha. Toda vez que tem um problema mais sério, ela ataca a geladeira. Começa consumindo frutas. Depois, passa para um pedaço de torta e às vezes chega a comer uma caixa de bombons. Ela chegou a engordar mais de 20 quilos, mas agora tem consciência de que precisa mudar seus hábitos. “Quando vem a vontade de comer, procuro me distrair com outras atividades”, conta.

Terapia – Outra que foi vítima dessa síndrome do ataque à geladeira é a estudante paulista Manoella Ribeiro de Almeida, 16 anos. Triste com a separação dos pais, ela começou a comer sem parar. “Sentia muita falta do meu pai”, conta. A maneira encontrada por ela para compensar a saudade foi devorar barras de chocolates e pacotes de bolachas recheadas às escondidas. “Tinha medo que eles descobrissem. Não sentia fome, mas necessidade de comer. Num desses momentos, devorei uma caixa de bombons em menos de dez minutos. Me arrependia. Mas no dia seguinte começava tudo de novo”, lembra.

Por causa dessa relação tão complicada, o tratamento da obesidade mudou. Hoje, toda clínica que se preza tem em sua equipe um psicólogo. Ele tem a missão de identificar os gatilhos que impulsionam o indivíduo a abusar da comida e auxiliá-lo a encontrar estratégias para driblá-los. No Incor, por exemplo, os pacientes com excesso de peso são acompanhados por nutricionistas e por psicólogos. Uma vez por semana, eles participam de reuniões com os profissionais. Cada um fala sobre suas carências afetivas e profissionais, que muitas vezes os levam a usar a comida como uma muleta para suas dificuldades emocionais. “Muitos não conseguem fazer a dieta por causa da ansiedade. A terapia em grupo pretende fazer com que o participante se conheça melhor e aprenda a resolver as reais causas das suas inquietações. Só assim é possível não buscar refúgio na comida”, explica a psicóloga Lilian. No programa do HC/SP, o projeto de atendimento ao obeso também conta com o auxílio de psicólogos. “Uma das ferramentas usadas é fazer um diário alimentar. O participante anota tudo o que comeu durante a semana e em quais situações ele sentiu necessidade. Ele se torna mais consciente sobre o que o leva a buscar a comida”, detalha a endocrinologista Anete Abdo.

Outro recurso adotado pelos terapeutas para controlar essa obesidade “emocional” é a terapia cognitiva-comportamental. A técnica ensina estratégias para que o paciente enfrente o problema na hora da crise. Se ele sente vontade de devorar um bolo de chocolate quando está ansioso, o ideal é não incluir o doce na compra do supermercado, por exemplo. Entretanto, há casos em que o apoio psicológico só não basta. Às vezes, a dependência da comida se torna tão frequente que é preciso lançar mão de medicamentos. Os mais indicados são os antidepressivos e os ansiolíticos. Eles melhoram o estado geral de ânimo e diminuem a ansiedade.

Praticar atividade física para aplacar a voracidade é indicação unânime entre os médicos. Além de queimar calorias, a prática de exercícios eleva os níveis de endorfina no cérebro. A substância aumenta a sensação de bem-estar, diminuindo o nervosismo e a tristeza. A ginástica foi uma das armas usadas pelo ator Antônio Calloni, 42 anos, para conseguir ficar em forma e atenuar a ansiedade dos momentos de stress. “Sempre comi bastante e sem culpa. A comida só deixou de ser um prazer quando percebi que ingeria uma quantidade maior do que desejava e isso estava ligado à minha ansiedade”, conta. Foi a partir de 2000 que ele passou a praticar caminhadas na praia, a andar de bicicleta, a fazer musculação e a adotar uma dieta saudável. Calloni emagreceu 15 quilos e hoje está bem.

Na verdade, histórias como a de Calloni comprovam que simples mudanças de hábito são fundamentais. Sair para dar uma caminhada na hora em que a vontade de comer parece insuportável – mesmo quando se acabou de almoçar – é uma das táticas. O esforço vale a pena. Quem passou pela situação conhece o preço que se paga. É o caso do comerciante Paulo Keiner, 52 anos, de São Paulo. Desde sua adolescência, ele sempre comeu em excesso quando ficava nervoso ou angustiado. Não conseguia conter a gula e fez vários tipos de tratamento. Nada funcionava. Ele chegou a pesar 131 quilos. Há três meses, começou a frequentar sessões de psicoterapia para aprender a lidar com suas emoções. Junto com isso, passou a receber orientação de uma nutricionista para se alimentar melhor. Entre uma refeição e outra, Paulo começou a comer alimentos leves, como iogurte e frutas, para saciar mais sua fome. E, se está muito ansioso e não resiste, procura se nutrir de refeições compostas por folhas e legumes. “Já perdi cinco quilos e vou persistir. A terapia me ajudou a entender que preciso investir mais em mim. Basta ter força de vontade”, ensina.