Mesmo sob a administração de vários dirigentes identificados com a defesa dos direitos humanos – a partir do governo Franco Montoro, em 1982 –, a Febem de São Paulo nunca mudou o seu perfil. Continua sendo uma casa dos horrores. Os internos ainda são vítimas de espancamentos e maus-tratos. E também morrem baleados, enforcados, esfaqueados e queimados. Treze jovens foram mortos assim na instituição nos últimos 20 meses. Há denúncias de conivência de funcionários, que, segundo relatos de mães e outras testemunhas, teriam facilitado o acesso de armas às unidades e transferido os jovens pouco antes para os locais onde ocorreram as mortes. “Provas evidenciadas em exames de corpo de delito indicam que houve execuções sumárias sob custódia do Estado”, denuncia Heloísa Machado de Almeida, advogada da Conectas, uma organização de defesa dos direitos humanos que move na Justiça ações de indenização e de reforma ou interdição de unidades da Febem. A instituição alega que nos 13 casos ocorreram suicídio ou conflitos internos durante rebeliões. O Sindicato dos Funcionários da Febem também afirma não haver comprovação do envolvimento de monitores.

Em nome de familiares das vítimas, a Conectas assumiu cinco dos 13 casos. A Justiça já concedeu liminar em uma ação coletiva, na qual estipulou um prazo de 90 dias para que a instituição reforme algumas de suas unidades e garanta melhores condições de segurança e higiene. Se o pedido não for atendido, o secretário de Justiça do Estado, Alexandre Moraes, que acumula hoje o cargo de presidente da Febem, terá de pagar, do seu próprio bolso, multa de R$ 1 mil por dia. Essa ação foi encaminhada em dezembro, em conjunto com a Associação das Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (Amar).

A última morte foi a do jovem Tiago Araújo, 18 anos, enforcado no dia 13 de agosto, na unidade 37 da Raposo Tavares, na zona oeste de São Paulo. Familiares de outros internos dizem ter ouvido gritos de outros garotos naquele dia denunciando que Tiago não teria se matado, conforme foi alegado pela instituição. Segundo relatos de testemunhas, Tiago teria pedido: “Por favor, senhor, não me enforque.” Na mesma noite, outros internos também teriam sido torturados. Essas denúncias foram encaminhadas ao Ministério Público.

Em janeiro, outros dois jovens, Celso Alimari e Jorge Aparecido de Andrade, ambos de 17 anos, morreram baleados na Febem de Vila Maria (zona norte). Houve tumulto na unidade e a Polícia Militar foi chamada. A morte que gerou a liminar da Justiça foi a do jovem Nilton da Silva Lopes Junior, 17 anos, que morreu queimado em junho do ano passado, na unidade 5 do Tatuapé, na zona leste paulistana.

Também no ano passado, em setembro, os internos Ronaldo Garbeloto, 18 anos, e José Eduardo Ferreira, 17 anos, morreram depois de ser espancados, enforcados e ainda levarem 40 facadas cada um na unidade de Franco da Rocha (Grande São Paulo). Um funcionário teria levado a arma e transferido os dois de celas para que fossem mortos, segundo as denúncias. “Toda a Febem sabia que meu filho estava sendo ameaçado. Deixaram ele sozinho numa cela e colocaram lá os outros cinco internos que queriam matá-lo”, acusa Maria José Garbeloto, mãe do jovem Ronaldo.

O presidente do Sindicato dos Funcionários, Antonio Gilberto da Silva, diz que naquele dia os funcionários da unidade estavam em greve. “Também houve negligência da instituição. Havia uma fita de vídeo com a imagem do Ronaldo dizendo que sofria ameaças e a Febem não tomou providências”, afirma. Ele anuncia que o sindicato não vai tomar posição nos casos antes que haja comprovação de quem seja o responsável. “E se for comprovada a culpa de algum funcionário, ele terá de ser punido.” Para a advogada Heloísa de Almeida, as provas incluídas nas próprias sindicâncias instauradas pela Febem atestam que houve. “E elas possibilitam a responsabilização do Estado”, garante. O secretário de Justiça, Alexandre Moraes, foi procurado, por meio de sua assessoria, mas não deu retorno.