Quase 80 anos depois que o presidente Mustafá Kemal Atatürk transformou uma Turquia dominada pelo Islã num Estado secular, republicano e ocidentalizado – o mais laico dos Estados muçulmanos –, o espectro da ortodoxia religiosa ainda assombra o país. Na semana passada, depois de muita pressão da União Européia, o governo turco retirou do Parlamento um projeto de lei que, sob o manto diáfano dos “valores da família”, criminalizava o adultério. Se aprovada, a lei seria mais uma pedra no caminho da Turquia para a União Européia. “Se a Turquia tentar incluir (no seu código penal) crimes que não são considerados como tal em outros países, a UE poderá interpretar isso como a intromissão da regra islâmica na lei turca”, ameaçou o comissário europeu para a expansão, Günter Verheugen.

O governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, dominado por um partido islâmico integrista, o AKP, diz que o projeto contra o adultério era um imperativo categórico para a defesa das mulheres, não uma intromissão religiosa na vida privada dos cidadãos. Organizações feministas, contudo, desconfiam de tanta generosidade masculina. “Criminalizar o adultério trará mais dano às mulheres, num país onde os crimes de honra e assassinatos de mulheres acusadas de desonrar suas famílias por sua conduta sexual não são fatos incomuns”, disse ao The New York Times Gulseren Demir, da Associação das Mulheres de Van, sudoeste da Turquia. “Esta lei daria ao homem ainda mais autoridade e poder e poderia aumentar o número de crimes contra a mulher”, conclui Demir.


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