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EQUÍVOCO
Ao discursar sobre o aborto em Brasília,
Serra precisou se corrigir

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O presidenciável José Ser­ra (PSDB) está fa­zen­do um esforço concentrado para remodelar sua campanha presidencial. Primeiro, juntando forças: logo depois de ter o nome confirmado para o segundo turno das eleições, Serra passou a escalar os aliados – vitoriosos ou não nas urnas – para a articulação política nos Estados. De olho no eleitorado de Marina Silva (PV), também adotou um novo slogan: Serra é + Brasil, em verde e amarelo. Tanto o verde quanto o sinal “+” são referências à campanha da candidata do PV, cujo slogan no primeiro turno era Sou + Marina. No discurso, de modo oportunista, o tucano passou a apostar cada vez mais na exaltação dos valores cristãos e da família, tentando se aproveitar de restrições que os eleitores evangélicos teriam contra a candidata do PT. Para reformar sua imagem, entre outras mudanças arquitetadas para apresentá-lo como um candidato “do bem”, haverá o “Serrinha”, um boneco inflável que deve participar de caminhadas e aparecer no horário político eleitoral. Por trás de todas essas mudanças, no entanto, Serra continua o mesmo de sempre. Até o fantasma do velho fisiologismo já começou a rondar sua campanha, com a oferta de cargos e postos importantes em troca do apoio do PV.

Na quarta-feira 6, Serra reuniu cerca de 200 aliados no Centro de Convenções Brasil XXI, em Brasília. O encontro de três horas foi uma espécie de grito de guerra, uma forma de mobilizar os aliados para a segunda fase da campanha e de distribuir tarefas nos Estados. Nos bastidores, discutiu-se como conquistar os votos antes destinados a Marina. Senador eleito pelo PSDB, Aloysio Nunes Ferreira (SP) lembrou os pontos em comum entre os tucanos e os verdes. “A lei de mudanças climáticas que aprovamos no governo Serra é um exemplo para o mundo”, afirmou Ferreira. “E o PV faz parte da nossa base de apoio na Assembleia.” Mais enfático, o deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente do DEM, partido do candidato a vice da chapa encabeçada pelo PSDB, sugeriu a Serra que o presidenciável direcione seus discursos a um grupo de eleitores em particular. “É óbvio que o eleitor evangélico e o católico levaram a eleição para o segundo turno”, disse Maia.

Último a discursar no encontro em Brasília, Serra já estava em sintonia com a sugestão de Maia e apelou para transformar o sensível tema do aborto no ponto central do debate político brasileiro. Cometeu, porém, o que em psicanálise se chama ato falho. “Nunca disse que sou contra o aborto, porque sou a favor do aborto”, afirmou Serra. “Ou melhor, nunca disse que era a favor do aborto, porque sou contra o aborto”, corrigiu em seguida o presidenciável. O aborto também foi um dos itens citados em panfleto distribuído entre aqueles que participaram da reunião de cúpula tucana, dando dicas para uma campanha anti-Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência da República. Entre outras instruções, o panfleto recomendava uma visita ao site do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, que leva o nome do fundador da Tradição, Família e Propriedade (TFP), uma organização radicalmente conservadora. “Divulgue esta informação através das redes sociais da internet (blogs, Orkut..)”, sugeria o panfleto. Por meio de sua assessoria, o PSDB informou que o panfleto não foi produzido pela coligação que lidera, não integra o material oficial da campanha e que a sua distribuição foi feita sem a autorização do partido.

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“Não teria governo do presidente Lula se não tivesse havido o governo
do presidente Itamar, com o lançamento do Real,
e do presidente FHC, que o consolidou”

 

Convidado para o Brasil XXI, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) não compareceu, argumentando que tinha um compromisso previamente agendado. Durante a campanha do primeiro turno ele havia sido praticamente “escondido” por Serra, seu ex-ministro do Planejamento e da Saúde. Coordenador da campanha vitoriosa de FHC em 1994, o ex-deputado Euclides Scalco, um dos fundadores do PSDB, aproveitou a reunião para pedir a Serra que incorporasse o legado do ex-presidente à campanha. “O partido pecou em não explorar o governo FHC. É preciso que se faça um esforço junto ao eleitorado para mostrar aquilo que fizemos para o País”, afirmou Scalco. O governador eleito do Tocantins, Siqueira Campos (PSDB), também levou a mesma sugestão a Serra. “O PSDB devia acabar com as encrencas e incorporar seu pessoal. O Fernando Henrique foi o homem que restaurou este país, suas finanças, Lei de Responsabilidade Fiscal, Plano Real, temos que nos orgulhar dele”, defendeu Campos. “O Serra não deve permitir esse negócio de escondê-lo.”

Quanto à atuação do ex-­presidente na campanha, ainda não se sabe qual será a postura de Serra nas próximas semanas, mas ele já sinalizou que defenderá as privatizações realizadas durante o governo Fernando Henrique e que tentará neutralizar o discurso de sua adversária sobre as conquistas econômicas do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Retrocedeu no tempo, porém, mais do que sugeriram Scalco e Campos, ao afirmar que as conquistas atuais se devem ao processo de redemocratização do País a partir da eleição de Tancredo Neves, em 1985. Neto de Tancredo, ex-governador e senador eleito pelo PSDB, Aécio Neves (MG) é elemento fundamental na estratégia de Serra para o segundo turno. A intenção é priorizar a campanha no Sul, tentando ampliar a vantagem tucana na região, e reverter o favoritismo de Dilma no Sudeste.

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AGENDA
Governador eleito do Paraná, o tucano Beto Richa já prepara
visita de Serra ao Estado para os próximos dias

 

Aécio está entre as lideranças que levaram a Serra a sugestão de descentralizar a campanha, abrindo espaço para a participação de outras lideranças. Por enquanto, porém, a proposta tem sido inútil. Apesar das promessas de mudar, Serra segue centralizando sua agenda, que, a cada dia, se torna um mistério para seus aliados. Na quinta-feira 7, por exemplo, o candidato tucano suspendeu todos os compromissos que tinha sem avisar ninguém.

Além de participar de grandes eventos da campanha nacional, Aécio anunciou que pretende acompanhar de perto os trabalhos em Minas Gerais. “Já marcamos um encontro com várias lideranças em Minas para avançarmos na campanha”, disse Aécio. “E eu vou dar várias ideias ao Serra.”

Com iniciativas similares às de Aécio, o governador eleito do Paraná, Beto Richa (PSDB), ex-prefeito de Curitiba, já entrou de “corpo e alma” na campanha de Serra, que visitou o Estado em cinco ocasiões durante o primeiro turno. Na semana passada, Richa, proclamando que passara a onda vermelha e agora vinha a onda verde e amarela, já organizava uma visita do presidenciável ao Estado. “E não será apenas em Curitiba, a capital, mas também em várias cidades do interior”, prometeu Richa. Em São Paulo, único Estado do Sudeste no qual Serra ganhou de Dilma no primeiro turno, o governador eleito Geraldo Alckmin (PSDB) adiou sua participação direta nos trabalhos de transição para o Palácio dos Bandeirantes para viajar e refazer seu trajeto de vitória. “O Serra já foi bem em São Paulo, mas pode crescer”, disse Alckmin. “Vou para a rua pedir votos.” O governador eleito de São Paulo está também ajudando nos contatos com políticos de todo o País. Outro que anunciou disposição de arregaçar as mangas é o senador reeleito Demóstenes Torres (DEM-GO), campeão de votos em seu Estado. O senador, entretanto, acredita que Serra precisa ficar “mais parecido com ele mesmo” nas semanas que antecedem o dia 31 de outubro. “Na primeira fase da campanha, mudaram até o nome dele. Ele nunca foi Zé, ele sempre foi Serra. Se ele quiser ficar parecido com o Lula, o povo vai votar na filial do Lula”, disse Demóstenes. “A campanha tucana está precisando de mais coração e autenticidade.” Apelo similar foi feito pelo ex-presidente e senador eleito Itamar Franco (PPS-MG), que integra a coligação liderada pelo PSDB. “Seja o senhor o seu marqueteiro”, pediu Itamar, de longe o político mais aplaudido no encontro de Brasília.

 

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