A sutil crueldade que permeia as relações entre as meninas já fez muita gente chorar. Nas escolas, nos clubes, nos condomínios, há sempre uma vítima preferencial para ser chamada por um apelido ofensivo, ser excluída das turminhas ou ter objetos quebrados ou escondidos, por exemplo. O fenômeno, claro, não é novo nem é privilégio das garotas. Mas a frequência com que vem acontecendo tanto no Brasil quanto em outros países está despertando preocupação. Tanto é que o bullying – termo inglês sem equivalente em português usado para denominar essas atitudes agressivas intencionais e repetidas – entre as adolescentes virou tema até de filme. Em Meninas malvadas, exibido recentemente nos cinemas, a estudante Cady Heron (Lindsay Lohan), que passara a infância na África, sofre horrores na nova escola, em Chicago (EUA). Primeiro é isolada, depois, manipulada por grupinhos rivais. Para se defender, acaba virando uma menina malvada e algoz. O assunto também está retratado no livro Garota fora do jogo (Ed. Rocco), lançado no Brasil há duas semanas. A obra é de autoria de Rachel Simmons, responsável por uma pesquisa sobre o tema realizada na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Na tevê, o assunto foi abordado na série Malhação, da Rede Globo, voltada para os adolescentes.

O bullying sempre foi mais associado ao comportamento masculino. No entanto,} a busca por posturas semelhantes às dos meninos tem impulsionado a prática entre as garotas. “Assim como as mulheres reproduzem o comportamento dos homens para se igualar no mercado de trabalho, as meninas também estão copiando atitudes de garotos para demonstrar poder em grupos sociais, especialmente no colégio”, afirma a psicanalista carioca Ana Maria Iancarelli. O problema é que estão imitando a parte pior, que é a agressividade – até mesmo a física. “Hoje não é raro uma menina ser agredida por outra com um soco. Não é mais dar unhada, puxar o cabelo. É luta física masculina mesmo”, diz Ana Maria.

Obviamente, essas são manifestações mais raras. Os tipos mais comuns de bullying entre meninas são dar apelido e difamar. Receber apelidos foi exatamente o tormento sofrido pela estudante carioca Vanessa Brandão Gréco, 15 anos, no ano passado. “Sou muito quieta, tímida, uso coque no cabelo. Acho que é por esse meu jeito que algumas meninas (e meninos também) me botaram apelidos horríveis, como Bob Esponja, Assolan e Simpsons. Quanto mais eu sofria, mais me isolava, queria ser invisível”, lembra. Cansada das agressões, Vanessa tomou coragem e contou o problema para professores e a diretora da escola, Maria das Graças Figueiredo Freire. A reação foi rápida e seguiu o padrão adotado pelo colégio em casos anteriores. “Primeiro, a professora conversa com toda a turma sem dar nomes. Se a perseguição não parar, chamo cada um na diretoria. O último recurso é convocar os pais. Mostramos que é uma brincadeira na qual vários estão se divertindo, mas um está sofrendo, o que não é legal”, explica a diretora.

Além dos apelidos, outros tipos comuns de bullying entre as garotas são a exclusão, a humilhação e até ameaças. O terror é quase sempre feito de forma dissimulada e, por isso, mais difícil de detectar. Nos meninos, as manifestações são mais explícitas. O uso intenso da internet e de celulares facilita a perseguição – esses, aliás, são instrumentos preferidos das meninas. “Na Inglaterra, pesquisas dizem que, de cada quatro meninas, uma é vítima de bullying por celular”, afirma o pediatra Lauro Monteiro, secretário executivo da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (Abrapia).

As vítimas mais frequentes são as meninas que se destacam, para mais ou para menos, na beleza, na inteligência e no poder aquisitivo, além de pessoas da raça negra. Quando aconteceu com Sheila Cristina de Fátima da Silva, 14 anos, do mesmo colégio de Vanessa, a pergunta que a menina se fazia era “por que eu?” Negra, ela recebia nomes pejorativos como Bombril e vassoura. “ Minha mãe me aconselhou a pedir ajuda à diretora. Ela resolveu o problema. Hoje está tudo bem”, conta.

Auto-estima – Para ajudar quem sofre as agressões, a Abrapia irá inaugurar até o fim deste mês, no Rio de Janeiro, o Disque-Denúncia Criança e Adolescente. O número, a ser divulgado em escolas, será apenas para ouvir, aconselhar e indicar lugares e pessoas para serem procuradas. “Se a criança diz: ‘Me chamam de baleia no colégio’, o atendente, que vem sendo treinado há meses, saberá dizer a quem ela deverá procurar”, explica Lauro Monteiro. A mineira Thaís Pereira Gonçalves, 18 anos, desabafou a revolta em seu blog. Quando foi vítima, anos atrás, ela pediu ajuda ao pai, engenheiro, e à mãe, médica. Thaís estudava no colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte. “Eu e uma amiga éramos novas numa turma do terceiro ano do ensino médio. Ela, que era muito clarinha, foi apelidada de Fantasma. E eu fui excluída. Chegou a ponto de eu não querer mais ir ao colégio. Minha auto-estima foi lá embaixo”, conta. A mãe foi ao colégio e os coordenadores organizaram reuniões na sala de aula. O quadro melhorou e ela tratou “as cicatrizes” no consultório de um psicólogo. “Melhorei e vi que precisamos nos gostar muito para enfrentar isso”, diz. Dicas como a de Thaís foram dadas nos capítulos que Malhação dedicou ao assunto, há dois meses. De acordo com Ricardo Hofstetter, autor da série, o tema foi importante para seu público. “É um alerta para as sérias consequências que este tipo de conduta pode gerar, principalmente porque o limite entre brincadeira e bullying é muito tênue”, diz.