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FLAGRANTES
Dilma e Lula em carreata em São Bernardo; três cenas de Serra na
eleição de domingo, em São Paulo (cercado pela imprensa, na sala de votação e com
Alckmin); Dilma na sala de votação e em café da manhã com Tarso Genro, em Porto Alegre

 

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Na madrugada de 1º de outubro, logo depois do debate na Rede Globo, Dilma Rousseff e seu staff embarcaram em um helicóptero que deixou o Projac, a sede da emissora em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em direção a Copacabana. Ao sobrevoar São Conrado, a aeronave começou a balançar aparentemente sem rumo, perdida no coração de um imenso nevoeiro. “Onde está o mar?”, perguntou o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, ciente de que o helicóptero perdera sua referência mais importante. Enfiados naquele inferno branco, além de Dilma e Cabral, estavam João Santana, marqueteiro da campanha presidencial, sua mulher Mônica, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, e uma aeromoça. Aterrorizados, Dilma e Cabral deram as mãos. “Mais um pouco, vamos parar é numa urna funerária”, disse Santana, tentando fazer troça em um momento de tensão. Depois de 30 minutos de turbulência e de um voo praticamente às cegas – minutos esses que parecerem muito mais longos para quem viveu o episódio –, o piloto finalmente conseguiu pousar no Heli-Rio, localizado no Recreio dos Bandeirantes, único heliponto disponível àquela altura da madrugada. Refeita do susto, Dilma seguiu de carro para o Hotel Marriot. Conseguiu sair ilesa do nevoeiro de São Conrado, mas o tempo ruim foi para ela um mau presságio. Pelo menos foi isso o que revelou a contagem dos votos na noite do domingo 3. Ao contrário dos prognósticos de até uma semana atrás, a disputa presidencial foi para o segundo turno. Dilma teve menos votos do que as pesquisas apontavam, José Serra manteve-se no nível esperado e Marina Silva surpreendeu com uma avalanche de cerca de 20% dos votos válidos.

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Afinal, que fatores foram decisivos na virada? Em primeiro lugar, o efeito Marina, que arrancou votos de Dilma e ajudou Serra a ir para a segunda rodada. Outro ponto determinante foi a perda maciça de votos de Dilma junto ao eleitorado religioso. Em uma reunião realizada em Brasília, na segunda-feira 27, a candidata petista foi informada de que pesquisas em poder do partido registravam uma significativa perda de eleitores nesse segmento. Os evangélicos representam 20% do total do eleitorado brasileiro, o que significa um contingente de cerca de 27 milhões de pessoas. É a segunda maior parcela, na divisão por religião, atrás apenas dos católicos, que são 66%. Uma mudança de preferência de 20% desses eleitores representaria trocar o voto de 4% do total do eleitorado. Em uma disputa apertada como a eleição presidencial, poderia ser o suficiente para provocar o segundo turno – e foi exatamente isso o que acabou acontecendo.
Dilma começou a despertar a desconfiança de parte dos religiosos assim que o líder evangélico Silas Malafaia – que nesta campanha eleitoral já estivera ao lado da própria candidata petista, depois mudara para Marina Silva e que há alguns dias se bandeara para a campanha tucana – postou na internet um vídeo em que acusava a candidata petista de ser favorável à descriminalização do aborto e à união entre pessoas do mesmo sexo. O clima, que já era ruim, piorou na manhã do domingo 26, quando os petistas foram surpreendidos com milhares de panfletos que foram distribuídos nas portas das igrejas católicas e que pediam aos fiéis que não votassem em Dilma. “Achávamos que a campanha teria ataques duros, mas não chegaria a esse nível”, diz Paulo Vannuchi, secretário nacional dos Direitos Humanos. Presidente da Frente Parlamentar do Congresso Nacional e um dos principais líderes evangélicos do País, o bispo Manoel Ferreira foi convocado para agir a favor de Dilma. Em menos de 24 horas, Ferreira (que em 1989 chegou a ser preso na Rússia por vender “Bíblias” a comunistas) mobilizou 27 pastores de diferentes tendências evangélicas para uma reunião com a candidata do PT. “Conseguimos estancar a sangria, mas o estrago já estava feito”, diz Ferreira.

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AÉREA
Dilma embarca em jato fretado de Porto Alegre
para Brasília. Ela fez 20 comícios em 14 Estados

Os caciques petistas também tentaram reverter a perda de votos, mas a iniciativa não foi bem-sucedida. Logo depois que os ataques começaram, Dilma, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, e Gilberto Carvalho, que faz a interlocução da campanha com as igrejas, reuniram-se com líderes religiosos aliados, no escritório político em Brasília, localizado no Lago Sul, área nobre da capital federal. O encontro durou três horas. Diante de 27 líderes de denominações cristãs, a petista desmentiu que algum dia tenha afirmado que nem Cristo tiraria a vitória dela no primeiro turno, marcado para domingo. “Lamento que estejam usando o nome de Cristo para isso”, afirmou. “É mais uma tentativa do submundo da política de mentir a meu respeito.” Além de organizar um ato de apoio de lideranças religiosas, o PT estimulou que elas se pronunciassem publicamente em favor de sua candidata. Foi o que fez o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo. Apesar da contraofensiva, não adiantou. Os religiosos acabaram levando a eleição para o segundo turno.
No domingo de eleição, Dilma participou de um café da manhã no hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre, famoso por abrigar encontros promovidos por Leonel Brizola. Acompanhada pelo ex-ministro Tarso Genro, candidato petista eleito para o governo do Rio Grande do Sul, e do senador reeleito Paulo Paim (PT), Dilma foi logo envolvida por uma espécie de corredor humano que ansiava por atenção. Um dos que buscavam, aos trancos, aproximar-se da petista era Alceu Collares (PDT), o homem que, à frente do Paço Municipal de Porto Alegre, convidou Dilma para o seu primeiro cargo público de destaque, a Secretaria da Fazenda, em meados dos anos 1980. Dilma e Collares se olharam por longos segundos antes de se abraçarem demoradamente. Não precisaram trocar nenhuma palavra. Aos 83 anos, o ex-prefeito de Porto Alegre e ex-governador gaúcho se afastou, às lágrimas, da antiga auxiliar. Era essa a atmosfera, carregada de lembranças, que permeou o café da manhã.

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SIMPÁTICO
Serra em entrevista no dia 3, em São Paulo.
Ele tentou ser menos carrancudo

Dilma também ficou emocionada, mas se conteve. O clima da campanha, antes marcado por um entusiasmo que dava a vitória no primeiro turno como certa, mudara nos últimos dias. A assessores, a petista afirmou que talvez o segundo turno virasse uma realidade. No próprio domingo de eleição, fez uma declaração sugestiva logo pela manhã. “Quem combate o bom combate sai mais forte do que entrou, seja no primeiro, seja no segundo turno”, disse, como se pressentisse que seria necessário mais um mês de batalha. Pouco antes, ela havia conversado por telefone com o presidente Lula, que foi votar em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Lula disse que ir para o segundo turno não era nenhuma tragédia e que ele mesmo, reconhecidamente bom de voto, só vencera suas duas eleições presidenciais na segunda rodada de votos. Dilma terminou exausta o primeiro turno. Desde 6 de julho, data de lançamento da campanha, realizou 20 comícios em 14 Estados. Para se locomover, usou um jato fretado Cessna Citation, o mesmo que no dia da eleição a levou de Porto Alegre – onde passara parte do dia no apartamento da filha Paula – para acompanhar a apuração dos votos em Brasília. Ao lado do presidente Lula, Dilma aguardou a definição oficial para se pronunciar a respeito do resultado. “Vou encarar o segundo turno com garra e energia”, disse Dilma, que não conseguiu esconder acentuadas olheiras.

Os dias que antecederam a votação foram de uma incomum tranquilidade para José Serra e seus principais assessores. Com as pesquisas apontando uma queda constante de Dilma em todas as classes sociais e nas mais diferentes regiões do País, a certeza de que a disputa presidencial iria para o segundo turno passou a se cristalizar no núcleo duro da campanha tucana. Assessores diretos de Serra começaram a desenhar a estratégia para a segunda fase do pleito na quinta-feira 30. Uma reunião no escritório político do partido foi definida para a tarde da segunda-feira 4. Foram convocados para o encontro o senador Sérgio Guerra (PE) e os coordenadores de evento (Caio Carvalho) e de programa de governo (Francisco Graziano). Ao contrário de Dilma e Marina, que circularam por diferentes Estados brasileiros nos dias que antecederam a eleição, Serra preferiu focar os últimos esforços em São Paulo, onde, mostravam as pesquisas, corria o risco de sofrer uma derrota inédita para o PT – algo que, a propósito, não aconteceu. Na sexta-feira 1º, fez uma caminhada em Osasco, na Grande São Paulo, e no dia seguinte uma outra na avenida Paulista, coração financeiro da capital. Entre um compromisso político e outro, o candidato tucano aproveitou o tempo livre para brincar com as netas e ficar com a família. Ao mesmo tempo, usou os últimos dias para também reforçar a estratégia de se mostrar menos carrancudo e mais descontraído. Na caminhada que fez em Osasco, chegou a posar para fotógrafos e cinegrafistas dançando a música “Ah, Muleque”, sucesso de um dos personagens do programa “Pânico na TV!”, da Rede TV.

Ao contrário dos dias que antecederam a votação no primeiro turno, Serra preferiu o isolamento no dia das eleições. “Ele estava mordido, principalmente com certa ala petista que dava as eleições por acabadas”, diz um ex-secretário municipal da Prefeitura de São Paulo e amigo íntimo de Serra. O candidato tucano passou toda a manhã de domingo em casa, em companhia da família. Por volta das 10h30, recebeu a visita de seu candidato a vice, o deputado Índio da Costa (DEM-RJ). Logo em seguida, uma van chegou à sua residência, trazendo o prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM), o governador de São Paulo, Alberto Goldman (PSDB), o agora senador eleito Aloysio Nunes Ferreira e o governador vitorioso em São Paulo, Geraldo Alckmin.

Por volta das 13h, a comitiva partiu para o Colégio Santa Cruz, onde Serra vota. Durante o rápido pronunciamento que fez, Serra optou por omitir agradecimentos a dois dos principais personagens do PSDB. Enquanto o ex-rival Geraldo Alckmin e o democrata Gilberto Kassab eram louvados pelo candidato tucano, em momento algum Serra fez menção ao agora senador Aécio Neves e ao ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Durante a campanha, Aécio foi acusado por aliados de Serra de não ter se esforçado o bastante em Minas Gerais. Já FHC foi um dos tucanos mais críticos da estratégia adotada durante a campanha. Serra sumiu durante toda a tarde e noite do domingo de eleição. Foi aparecer apenas à meia-noite, numa festa promovida pelo partido no bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Eufórico, Serra fez seu discurso mais otimista desde o início da campanha eleitoral.

Com reportagem: Alan Rodrigues, Bruna Cavalcanti, Fabiana Guedes e Juliana Dal Piva

O QUE DEU ERRADO NAS PESQUISAS
Urnas mostram que a vontade do povo era diferente do que indicavam os institutos

Quando as urnas foram abertas em todo o País no domingo 3, saltaram aos olhos as imensas diferenças registradas entre as previsões dos institutos de pesquisa feitas na última semana e a realidade. Grandes divergências ocorreram em todos os níveis, nas disputas dos governos estaduais, do Senado e da Presidência. Nem na sondagem de boca de urna houve acerto: o Ibope estimou que Dilma Rousseff teria 51% dos votos válidos (entre 49% e 53% com a margem de erro), mas a candidata petista atingiu quase 47% e a eleição foi para o segundo turno – ela disputará com José Serra. “Não foram as pesquisas que me trouxeram até aqui, mas o povo brasileiro”, cutucou o tucano, após o resultado. Ninguém também previu a arrancada final de Marina Silva, que chegou a 19%. “O resultado surpreendeu todo mundo. As pesquisas apontavam a vitória de Dilma no primeiro turno”, disse Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi, que previu 53% para a candidata petista quatro dias antes das eleições.

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RESULTADO
Diferença de 20% entre urna e pesquisa

São Paulo foi palco das maiores disparidades. Na quarta-feira 29, o Vox Populi informava que o candidato do PSDB ao governo do Estado, Geraldo Alckmin, detinha 32% das intenções de voto. O Datafolha divulgado no dia seguinte dava 55% ao tucano. Nas urnas, o que se viu foi uma vitória apertada de Alckmin, com pouco mais de 50%. Seu principal concorrente, Aloizio Mercadante (PT), que tinha 23% da preferência do eleitorado, segundo o Vox Populi, e 28%, de acordo com o Datafolha, surpreendeu e chegou aos 35%.
Outra enorme discrepância aconteceu na corrida para as duas vagas ao Senado paulista. Aloysio Nunes (PSDB), campeão de votos com 30%, aparecia em terceiro lugar, com apenas 20% em pesquisa do Datafolha divulgada na véspera da eleição. Marta Suplicy (PT), que figurava em primeiro lugar, com 24%, garantiu a segunda vaga, com 22%. Netinho de Paula (PCdoB), um dos favoritos até então, atingiu apenas 21% e ficou de fora do Senado. No Rio de Janeiro, a diferença entre a realidade e as pesquisas ultrapassou 20%. O Vox Populi indicava 45% das intenções de voto para Sérgio Cabral (PMDB) no dia 29 de setembro, e 14% para Gabeira, do PV. Nas urnas, o candidato peemedebista garantiu sua reeleição no primeiro turno com 66%, deixando o segundo lugar para Gabeira, com 20%.

A Paraíba trouxe outro exemplo de zebra nas pesquisas eleitorais. Segundo pesquisa de boca de urna do Ibope, Zé Maranhão (PMDB) levaria no primeiro turno com 53% dos votos. Maranhão foi para o segundo turno com 49%, praticamente em empate técnico com seu adversário, Ricardo Coutinho, do PSB. Já em Santa Catarina, a sondagem do instituto realizada no dia da eleição previa um segundo turno entre Raimundo Colombo, do DEM, com 45%, e Ângela Amin (PP) ou Ideli Salvatti (PT), que apareciam em igualdade, com 27% e 24% das intenções de voto, respectivamente. Colombo acabou levando no primeiro turno com 52%.
Também na região Sul, o Paraná assistiu a um imbróglio judicial envolvendo o Datafolha, o Ibope e o instituto local Alvorada. O candidato do PSDB, Beto Richa, conseguiu que o TRE do Paraná impugnasse a divulgação de oito enquetes eleitorais, alegando falhas na metodologia. Segundo pesquisa do Vox Populi de 20 de agosto, Richa tinha 30% da preferência do eleitorado, contra 19% de seu concorrente Osmar Dias, do PDT. Na urna, o tucano conquistou mais de 52% e levou a disputa em primeiro turno. Dias obteve 45% dos votos.

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Débora Rubin e Paula Rocha