Um relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para a Aids na última semana trouxe uma boa notícia: o número de novas infecções pelo HIV entre 2001 e 2007 caiu 10%. A taxa passou de três milhões, para 2,7 milhões. Porém, a boa nova não pôde ser totalmente comemorada. Isso porque o mesmo documento revelou que a doença está se espalhando com força entre os jovens. Nada menos do que 45% dos novos casos foram notificados em indivíduos de 15 a 24 anos.

Em países como a Suazilândia, na África, a prevalência de infectados nesta faixa etária é de 23%. No Brasil, o quadro também preocupa. Calcula-se que existam cerca de 55 mil jovens entre 13 e 24 anos contaminados, o que corresponde a quase 12% do total de casos na população geral (474 mil). Os números refletem o que muitos especialistas vivenciam no dia-a-dia dos consultórios. “Toda semana recebo pelo menos três novos casos em pacientes com menos de 25 anos. Tem sido assim desde o começo do ano”, conta o infectologista Artur Timerman, do Hospital Heliópolis, de São Paulo.

De acordo com Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional DST/ Aids, do Ministério da Saúde, as novas infecções são observadas principalmente entre as meninas e os garotos homossexuais. “As adolescentes cultivam uma visão romântica do amor. Confiam no parceiro e não pedem o uso do preservativo”, diz. “Quanto aos meninos, por não conseguirem falar de sua sexualidade abertamente com os amigos, procuram outros homossexuais. Com eles, sentem-se mais seguros, o que facilita a exposição ao vírus”, acredita.

Foi exatamente isso o que aconteceu com o estudante K.M., 25 anos. Homossexual, ele se contaminou aos 16 anos, quando passava por uma fase difícil no que dizia respeito à própria sexualidade. “Se sua opção sexual é diferente da do seu grupo, você se torna ainda mais vulnerável. Isso acontece porque, quando você encontra pessoas com as quais se identifica, fica mais tranqüilo e acha que pode se expor”, conta.

i53502.jpg

Muito da facilidade com que os jovens estão se expondo ao risco da contaminação também resulta de uma visão equivocada da Aids. “Para eles, ter o HIV não é mais uma sentença de morte. A certeza de que existe tratamento que lhes permite viver com a doença sustenta essa convicção”, afirma o infectologista Jamal Suleiman, de São Paulo. O que grande parte desconhece são os efeitos colaterais dos remédios contra a Aids. “Além de ser um tratamento para toda a vida, são drogas potentes que podem trazer complicações, como o aumento do risco de doenças cardiovasculares”, explica o infectologista Jean Gorinchteyn, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

A maioria dos jovens também não faz idéia do impacto que a doença traz para a vida, a rotina, para os sonhos. Mas o relato de quem infelizmente agora está sendo obrigado a conviver com o HIV é revelador do quanto a Aids é devastadora. O estudante Fábio, por exemplo, sabe bem o que passou assim que a família e os amigos souberam que era soropositivo. “Sofri preconceito na escola, no trabalho e muitos amigos se afastaram de mim”, lembra. O resultado imediato foi, é claro, uma profunda depressão que o castigou durante quatro anos.

A experiência da maranhense Sumara Marcela Bezerra, 27 anos, não foi muito diferente. A garota iniciou a vida sexual aos 12 anos e nunca teve lá muita preocupação em se proteger. “Tive muitos parceiros e usei preservativos poucas vezes”, relembra. Em 2002, aos 21 anos e grávida de três meses, fez o teste para HIV e recebeu a notícia de que havia dado positivo. Embora consciente de que tinha se exposto ao vírus durante anos, o diagnóstico chegou como uma bomba. “Tentei até a morte. Foram momentos de muita angústia”, diz. A filha, Gabrielli, seis anos, não foi contaminada – durante o pré-natal, Sumara foi submetida ao tratamento que impede a passagem do vírus da mãe para o filho. Hoje Sumara está mais madura para refletir sobre o que aconteceu. “Não vou dizer que sou vítima da Aids. Tinha meios de me cuidar e não fiz isso. Mas hoje sei que nada é mais importante do que a vida. Não vale a pena arriscar nada por ela”, diz.

i53503.jpg

Fábio e Sumara refizeram os planos para o futuro por causa da doença. Atualmente, os dois integram uma rede nacional recém-criada de jovens que vivem com HIV/Aids em todo o Brasil. O objetivo é discutir políticas para os jovens soropositivos e desenvolver campanhas de prevenção. Dessa entidade também participa Carina Ferreira da Cruz, 21 anos, infectada pela transmissão vertical (de mãe para filho). “Lembro aos jovens com quem falo que não tive escolha. Fui infectada no útero de minha mãe. Mas aqueles que não têm o vírus carregam nas mãos o poder de opção”, afirma a estudante.