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NOVA HEROÍNA
Daenerys (Emilia Clarke) em filmagem da série
“A Guerra dos Tronos”: para ler e assistir

Uma nova e fantástica saga literária que já vendeu sete milhões de exemplares em todo o mundo chega ao Brasil este mês com o lançamento de “A Guerra dos Tronos” (Editora Leya). Trata-se do primeiro livro de uma série de quatro volumes intitulada “As Crônicas de Gelo e Fogo”, criada pelo escritor americano George R.R. Martin. Uma adaptação para a tevê já está em fase de filmagem – sendo que a primeira temporada terá dez episódios, orçados em US$ 60 milhões e com previsão de estreia em 2011 no canal a cabo HBO. O best-seller que emplaca inúmeras continuações e cria uma legião de fãs é uma mina de ouro de múltiplas derivações (na tevê, no cinema e nos games) e um filão muito lucrativo para a indústria do entretenimento. Tanto que a emissora que adaptou com êxito “True Blood” para a tevê, baseada na obra de Charlotte Harris, agora investe alto nessa nova produção para sucedê-la. A mesma fórmula criou fenômenos como o infantojuvenil “As Crônicas de Nárnia”, do irlandês C.S. Lewis, e a trilogia “O Senhor dos Anéis”, inspirada na obra do autor inglês J.R.R. Tolkien.

As semelhanças entre o novo fenômeno e os anteriores também estão no título da obra (que adota a palavra “crônicas”) e no nome
do autor (como Tolkien, ele assina usando as abreviações R.R.). Martin fez questão do ator Sean Bean no elenco da série – o mesmo de “O Senhor dos Anéis”. Além disso, a saga recria um mundo imaginário de reinos e personagens humanos e mágicos que travam uma luta atemporal pela sobrevivência e pelo poder numa natureza selvagem. O seriado foi filmado no norte da Irlanda e na ilha de Malta, no Mediterrâneo. A maior parte da ação se dá em um rigoroso inverno nas fictícias florestas de Winterfell, onde sete nobres famílias disputam o poder do reino capitaneado pelo aristocrático Ned Stark (Sean Bean). Serão desafiadas e seduzidas pela heroína Daenerys, uma guerreira de cabelos platinados e olhos cor de violeta. Ao contrário do que pode parecer, no entanto, Martin não é apenas uma cópia oportunista do estilo consagrado pelo britânico e concebido no início do século passado. Em “Guerra dos Tronos” o embate entre o bem e o mal assume um caráter menos maniqueísta e o enredo é mais apimentado, com fortes cenas de violência e sexo. Tudo isso mira o público que aprendeu a gostar desse estilo de fábula mágica com “O Senhor dos Anéis”, no início dos anos 2000, e agora, já bem mais crescido, está interessado em tramas menos inocentes.

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Leia abaixo trecho do primeiro capítulo de "A Guerra dos Tronos"

Prólogo

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– Deveríamos regressar – insistiu Gared quando os bosques começaram a escurecer ao redor do grupo. – Os selvagens estão mortos.
– Os mortos o assustam? – perguntou Sor Waymar Royce com não mais do que uma sugestão de sorriso no rosto.
Gared não mordeu a isca. Era um homem velho, com mais de cinquenta anos, e vira os nobres chegar e partir.
– Um morto é um morto – respondeu. – Nada temos a tratar com os mortos.
– Mas estão mortos? – perguntou Royce com suavidade. – Que prova temos disso?
– Will os viu – disse Gared. – Se ele diz que estão mortos, é prova suficiente para mim.
Will já sabia que o arrastariam para a disputa mais cedo ou mais tarde. Desejou que tivesse sido mais tarde.
– Minha mãe disse-me que os mortos não cantam – contou Will.
– Minha ama de leite disse a mesma coisa, Will – respondeu Royce. – Nunca acredite em nada do que ouvir junto à mama de uma mulher. Há coisas a aprender mesmo com os mortos – sua voz gerou ecos, alta demais na penumbra da floresta.
– Temos perante nós uma longa cavalgada – salientou Gared. – Oito dias, talvez nove. E a noite esta para cair.
Sor Waymar Royce olhou o céu de relance, com desinteresse.
– Isso acontece todos os dias por esta hora. Você perde a virilidade com o escuro, Gared?
Will via o aperto em torno da boca de Gared, a ira só a custo reprimida nos olhos que espreitavam sob o espesso capuz negro de seu manto. Ele passara quarenta anos na Patrulha da Noite, em homem e em rapaz, e não estava acostumado a ser desvalorizado. Mas era mais do que isso. Will conseguia detectar no homem mais velho algo mais sob o orgulho ferido. Era possível sentir-lhe o gosto: uma tensão nervosa que se aproximava perigosamente do medo. Will partilhava o desconforto do outro homem. Estava havia quatro anos na Muralha. Da primeira vez que fora enviado para lá, todas as velhas histórias lhe tinham acorrido ao cérebro, e suas entranhas se tinham feito em água. Era agora um veterano de cem patrulhas, e a escura e infinita terra selvagem a que os sulistas chamavam floresta assombrada já não tinha terrores para si.
Ate aquela noite. Algo era diferente então. Havia naquela escuridão algo de cortante que lhe fazia eriçar os pelos da nuca. Cavalgavam havia nove dias, para norte e noroeste, e depois de novo para norte, cada vez para mais longe da Muralha, seguindo sem desvios a trilha de um bando de salteadores selvagens. Cada dia fora pior que o anterior. Aquele tinha sido o pior de todos. Um vento frio soprava do norte e fazia as arvores sussurrarem como coisas vivas. Durante todo o dia Will tivera uma sensação que era como se alguma coisa o estivesse observando, algo frio e implacável que não gostava dele. Gared também sentira. Will nada desejava com tanta forca como cavalgar a toda pressa de volta a segurança da Muralha, mas este não era um sentimento que se pudesse partilhar com um comandante. Especialmente com um comandante como aquele.
Sor Waymar Royce era o filho mais novo de uma Casa antiga com demasiados herdeiros. Era um jovem bem-apessoado de dezoito anos, de olhos cinzentos, elegante e esbelto como uma faca. Montando em seu enorme corcel de batalha negro, o cavaleiro elevava-se bem acima de Will e Gared, montados nos seus garranos de menores dimensões. Trajava botas negras de couro, calcas negras de lã, luvas negras de pele de toupeira e uma cintilante cota de malha negra e flexível por cima de varias camadas de lã negra e couro
fervido. Sor Waymar era um Irmão Juramentado da Patrulha da Noite havia menos de meio ano, mas ninguém poderia dizer que não se preparara para a sua vocação. Pelo menos no que dizia respeito ao guarda-roupa.
O manto constituía a consumação da sua gloria; zibelina, espessa e negra, suave como pele. “Aposto que foi ele próprio quem as matou todas, ah, pois aposto”, dissera Gared na caserna, entre os vapores do vinho, “torceu-lhes as cabecinhas e arrancou-as, o nosso poderoso guerreiro”. A gargalhada fora partilhada por todos. “É difícil aceitar ordens de um homem de quem nós rimos de copo na mão”, refletiu Will, sentado, tremendo, sobre o dorso do garrano. Gared devia sentir o mesmo.
– Mormont nos disse para os encontrarmos, e encontramos – disse Gared. – Estão mortos. Não voltarão a nos causar problemas. Temos uma dura cavalgada a nossa frente. Não gosto deste tempo. Se nevar, poderemos levar uma quinzena para regressar, e a neve e o melhor que podemos esperar. Alguma vez viu uma tempestade de gelo, senhor?
O nobre pareceu não ouvi-lo. Estudava o crepúsculo, o que aprofundava aquele seu modo meio aborrecido e meio distraído. Will já cavalgava com o cavaleiro havia tempo suficiente para compreender que era melhor não o interromper quando tinha aquela expressão.
– Diga-me de novo o que viu, Will. Todos os detalhes. Não deixe nada de fora.
Will fora um caçador antes de se juntar a Patrulha da Noite. Bem, na verdade fora um caçador furtivo. Os cavaleiros livres de Mallister tinham-no apanhado com a boca na botija nos bosques do próprio Mallister, esfolando um dos seus gamos, e apenas pudera escolher entre passar a vestir-se de negro e perder uma mão. Ninguém era capaz de se mover pela floresta tão silenciosamente como Will, e os irmãos negros não tinham demorado muito tempo para descobrir seu talento.
– O acampamento fica duas milhas mais a frente, para lá daquela cumeada, ao lado de um córrego – disse Will. – Cheguei o mais perto que me atrevi. Eles são oito, com homens e mulheres. Não vi crianças. Ergueram um abrigo contra a rocha. A neve já o cobriu bem, mas mesmo assim consegui descortiná-lo. Não vi nenhum fogo ardendo, mas a cova da fogueira ainda estava clara como o dia. Ninguém se movia. Observei durante muito tempo. Nunca um homem vivo ficou tão quieto.
– Viu algum sangue?
– Bem, não – admitiu Will.
– Viu armas?
– Algumas espadas, uns quantos arcos. Um homem tinha um machado. Com ar de ser pesado, duas laminas, um cruel bocado de ferro. Estava no chão a seu lado, junto a sua mão.
– Prestou atenção a posição dos corpos?
Will encolheu os ombros.
– Um par deles está sentado junto ao rochedo. A maioria está no chão. Como caídos.
– Ou dormindo – sugeriu Royce.
– Caídos – insistiu Will. – Há uma mulher numa arvore de pau-ferro, meio escondida entre os ramos. Uma olhos-longos – ele deu um tênue sorriso. – Assegurei-me de que não me conseguiria ver. Quando me aproximei, vi que ela também não se movia – e sacudiu-se por um estremecimento involuntário.
– Está enregelado? – perguntou Royce.
– Um pouco – murmurou Will. – E o vento, senhor.
O jovem cavaleiro virou-se para seu grisalho homem de armas. Folhas pesadas de geada suspiravam ao passar por eles, e o corcel de batalha movia-se de forma inquieta.
 

 


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