Para o sociólogo, eleições ficam marcadas por moderação da esquerda e indefinição da oposição em desempenhar seu papel

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CRESCIMENTO
Jaguaribe acredita que o desenvolvimento
será a marca do próximo governo

Aos 87 anos, o sociólogo Hélio Jaguaribe, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), mantém o olhar atento sobre a realidade política brasileira. Em entrevista à ISTOÉ, ele confessa que poucas vezes acompanhou com tamanha atenção uma eleição presidencial no Brasil. Em parte pela afinidade com os principais candidatos na luta contra o regime militar, mas também pela novidade do contexto. Na opinião de Jaguaribe, “o PT tende a consolidar-se como um grande partido de massa”, enquanto o PSDB, mesmo indo para o segundo turno, “demonstrou fragilidade ao não conseguir ocupar devidamente seu papel na oposição.” Acostumado a remar contra a maré, Jaguaribe rejeita a tese de que os radicais petistas são um perigo para a democracia. “No Brasil, já não há espaço para radicalismos, nem de esquerda nem de direita”, afirma. O sociólogo diz que não teme a fome do PMDB por cargos num provável governo do PT. Ele acredita na formação de uma frente ampla de centro-esquerda e aposta no desenvolvimentismo como caminho ideal para o País, “mas sem ideologismos.” 

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"Esse deverá ser um Congresso de acomodação.
Dará espaço para que as políticas públicas sejam aprovadas”

 

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“O PSDB é um partido que precisa encontrar uma definição de
sua posição de classe. Ele é de classe média ou de massa?"

ISTOÉ

Com as vitórias que conseguiu nos Estados e no Senado, o PT se fortalece nessa eleição? Ou o segundo turno para presidente lhe tira esta força?

Hélio Jaguaribe

Essas eleições mostraram a consolidação do PT como um grande partido de massa. Isso está cada vez mais claro. Já o PSDB demonstrou fragilidade ao não conseguir ocupar o espaço alternativo como partido popular.

ISTOÉ

Nesta eleição ficou clara a dificuldade da oposição de construir um discurso, de ter uma bandeira?

Hélio Jaguaribe

Sem dúvida. O PSDB é um partido que precisa encontrar uma definição de sua posição de classe. É um partido de classe média? Um partido de massa? Ele é um partido de conciliação entre a classe média e a massa? A meu ver é o que ele representa. E não está sabendo assumir essa posição. É um partido de massa aberto à classe média ou de classe média aberto à massa, com predominância de uma ou outra alternativa conforme as circunstâncias?

ISTOÉ

O que se pode esperar da oposição daqui para a frente?

Hélio Jaguaribe

Acho que ela vai se definir em função das opções do próximo governo. Dilma, se eleita, fará um governo de centro-esquerda e não de extrema esquerda. E, dentro dessa posição, ela vai conseguir uma importante adesão da classe média ilustrada.

ISTOÉ

Dilma tem um perfil mais desenvolvimentista do que pragmático?

Hélio Jaguaribe

O desenvolvimentismo é uma exigência nacional. O novo ocupante da Presidência da República será compelido a optar por uma via desenvolvimentista porque essa é uma demanda geral do País.

ISTOÉ

Diz-se que esse desenvolvimentismo leva ao capitalismo de Estado. Esse é o modelo mais adequado para o Brasil?

Hélio Jaguaribe

Ele pode se tornar tal. O desenvolvimentismo significa o esforço de aumentar a capacidade produtiva e, por outro lado, distribuir mais equitativamente o resultado dela. O desenvolvimentista distributivista é extremamente positivo. O Brasil é um país filho do Estado. Há países que são produto da massa, como acontece com os países britânicos, onde a massa gerou o Estado. No Brasil, o Estado gerou o povo, então esse papel é intrínseco à nossa realidade.

ISTOÉ

E quais são as áreas estratégicas em que o Estado deve atuar?

Hélio Jaguaribe

Evidentemente, a orientação do Estado deve ser totalmente comandada pelo projeto de desenvolvimento. Então, aí entra o desenvolvimento tecnológico, científico, industrial, agrícola e, muito importante, o desenvolvimento social.

ISTOÉ

Quais são os principais gargalos que o País tem de enfrentar?

Hélio Jaguaribe

Creio que, para qualquer exame do Brasil, o problema é a exagerada diferença entre as situações de cúpula e as situações de base. O que se reflete também regionalmente, com a importância do Centro-Sul e a desimportância do Norte-Nordeste. O Brasil até que conseguiu um nível de saneamento razoável, mas está longe de conseguir o saneamento em 100%. E esse a meu ver é um dos problemas: ampliar o saneamento dentro de uma concepção social do processo.

ISTOÉ

Considerando o contexto social, qual é a diferença fundamental mostrada pelo PT nesta eleição?

Hélio Jaguaribe

A diferença é que a esquerda brasileira tornou-se mais moderada, mais centrista. A esquerda não é mais ameaçadora para o centro e, com isso, ela tem uma capacidade eleitoral aumentada. Isso torna a aceitação da esquerda mais fácil para a sociedade.

ISTOÉ

Mas tem gente dizendo que os radicais do PT, que foram domados lá atrás, podem voltar com mais força numa eventual vitória de Dilma. O sr. acredita nisso?

Hélio Jaguaribe

Não tem espaço para radicais no Brasil de hoje, nem de esquerda nem de direita. Nosso país está claramente encaminhado para um nível centrista, que poderá ser um pouco centro-direita em alguns casos, mas que será predominantemente de centro-esquerda.

ISTOÉ

Se Dilma vencer, o que se pode esperar do PMDB nesse primeiro momento de negociação por espaço dentro do Estado?

Hélio Jaguaribe

O PMDB, que teve uma história de resistência durante a ditadura na luta por mais liberdade, com o tempo virou um partido puramente clientelista. Hoje o PMDB não tem identidade política própria, não tem estrutura programática própria, apesar da tentativa de elaborar um programa de governo. De modo que vai depender das oportunidades de emprego que o governo oferecer. Não tem ideologia. Então o PT terá mais força e a Dilma, se for prudente, não dará muito espaço para uma agremiação de clientelismos. Não precisa temer o PMDB.

ISTOÉ

Numa vitória de Dilma, essa hegemonia da base aliada do PT, com a maioria que se desenha na Câmara e no Senado, facilitará a aprovação das reformas necessárias, como a política e a tributária?

Hélio Jaguaribe

Não há a menor dúvida. Ela é muito importante para que a Casa parlamentar aprove as medidas propostas pelo governo. Não vai dar mais para o governo dar a desculpa de que o Congresso não quis aprovar as reformas. Com uma vitória do PT esse será um Congresso de acomodação, não rebelde, que dará espaço para que as políticas públicas sejam aprovadas. Mas é importante que também haja espaço para uma oposição saudável. Eu diria que o Brasil está num processo muito positivo de amadurecimento.

ISTOÉ

O PT tem articulado a criação de uma frente de partidos para, quando chegar ao governo, negociar em igualdade de condições com o PMDB. O PSDB pensa fazer o mesmo, com a liderança de Aécio Neves. Qual a sua expectativa?

Hélio Jaguaribe

Está para surgir a ideia de uma grande frente nacional desenvolvimentista. Isso é muito positivo. E o papel do PSDB terá que ser de uma esquerda moderada, centrista, sem dogmatismo. O Brasil depende muito de que a oposição faça isso e o Aécio é um homem de muito boa qualidade. O papel dele será o de condicionar o governo a ter uma posição de centro-esquerda, que reconcilie a ideia de progresso com a de estabilidade.

ISTOÉ

Como o sr. acha que Serra sai dessa eleição?

Hélio Jaguaribe

Sou muito favorável ao Serra e acho que ele representa a melhor opção, e continuará com muita força. O ideal para o Brasil seria uma aliança PT-PSDB. Por isso, será tão importante o diálogo do PT com a oposição. E encontrar aí uma modalidade de cooperação, pelo menos em áreas estratégicas, no sentido nacional.

ISTOÉ

É uma exigência cada vez mais crescente por parte da consciência contemporânea. O meio ambiente não é inesgotável e o homem precisa administrá-lo de maneira responsável.

Hélio Jaguaribe

É uma exigência cada vez mais crescente por parte da consciência contemporânea. O meio ambiente não é inesgotável e o homem precisa administrá-lo de maneira responsável.

ISTOÉ

Com o fortalecimento do PT, há o risco de repetirmos no Brasil o fenômeno do PRI mexicano, que ficou no poder por mais de meio século?

Hélio Jaguaribe

Evidentemente existe uma possibilidade de que isso ocorra, mas no caso brasileiro a diversidade parlamentar é suficiente para evitar que haja o monopólio institucionalizado de um partido só. Então, o risco é menor.

ISTOÉ

E o sr. acredita no eventual retorno de Lula em 2014?

Hélio Jaguaribe

Isso é um pouco duvidoso. Minha tendência é achar que não. Todo presidente que saiu pensa no retorno quatro anos depois, mas essa possibilidade é reservada a bem poucos.

ISTOÉ

O sr. acha que o próximo governo deverá manter a atual política econômica? É preciso mudar alguma coisa?

Hélio Jaguaribe

É necessário aumentar o esforço de crescimento, pois até agora ele foi meio tímido. Deve haver mais vigor nos esforços de desenvolvimento social, econômico e técnico.

ISTOÉ

Na política externa, o presidente Lula teve atuação marcante. Criticou muito a ONU, por exemplo. Isso ajuda ou atrapalha a ambição por um assento permanente no Conselho de Segurança?

Hélio Jaguaribe

Creio que essas atitudes anti-ONU são fúteis e um governo sensato não vai adotá-las. Vai ser progressista, adotando uma posição de não excomunhão de determinados países e fazendo um esforço de diálogo com todos eles, mas tendo direção própria.

ISTOÉ

No caso, o sr. concorda que o Brasil mantenha esse diálogo com o Irã?

Hélio Jaguaribe

Estou absolutamente de acordo. O contrário disso é sectarismo. O Brasil precisa ter uma linha clara, nem dogmática, nem estagnante, nem exacerbada, mas sim uma linha de centro-esquerda moderada.

ISTOÉ

O sr. acredita que a política externa brasileira deva ser conduzida de maneira menos personalista do que foi com Lula?

Hélio Jaguaribe

Creio que teremos uma política externa muito equilibrada. É muito importante seguir as lições históricas da diplomacia tradicional, de cooperação com todos os países dentro de uma orientação do bloco ocidental. É preciso deixar que a burocracia do Itamaraty trabalhe mais, baixando um pouco esse perfil voluntarioso. O Itamaraty talvez seja a melhor agência pública do Brasil, tem gente de muita competência e um passado histórico brilhante.