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O GURU
Lisboa (abaixo) preconizou as ideias que levaram Dilma
(acima) à prisão. Hoje ele defende causas ambientais

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No fim da década de 1980, o médico Apolo Heringer Lisboa despertou assustado no meio da noite. “Sonhei que estava na frente de um altar. Havia velas acesas e, lá no alto, uma imagem de Marx. Ao lado dele, Lenin, Mao Tsé-tung, Fidel Castro e Che Guevara. Peguei um pedaço de pau e puuuuu. Bati naqueles ‘santos’”, lembra. “Aquele pesadelo revelou minha luta inconsciente. Precisava me libertar daquela dominação.” Ex-guerrilheiro, preso político e exilado no Exterior, Lisboa cursava medicina na Universidade Federal de Minas Gerais quando foi chamado de “guru” pela secundarista Dilma Rousseff. Na época, ele tinha 21 anos e ela 16. Dilma estava no primeiro ano do ensino médio, no Colégio Estadual Central, em Belo Horizonte. Ambos militavam na Polop (Política Operária), grupo esquerdista que combatia a ditadura militar. Uma das missões de Lisboa na organização era incentivar os mais jovens e transmitir-lhes alguns fundamentos teóricos. Ele se reunia com pequenos grupos formados por cinco ou seis estudantes com alguma regularidade. Dilma chamou a atenção do mestre pela disciplina, capacidade de aprendizado e, sobretudo, pela seriedade. “Ela era muito dedicada, organizada e discreta”, lembra Lisboa. “Tinha consciência do momento histórico e não trocava suas tarefas por nenhuma festinha.”

Além das questões racionais, a aplicada garota de 16 anos encantou o universitário revolucionário por razões emocionais. “Dilma tinha um brilho especial. Nunca foi fútil”, afirma o médico, ao admitir que nutriu uma paixão secreta pela pupila. “Ela era atraente pela maneira de conversar e tinha uma certa elegância que vinha da discrição”, completa. Em 2010, aos 67 anos, Lisboa fala da paixão platônica com tranquilidade. Mas recorda-se de que na época optou por manter seus sentimentos em silêncio. “Ela não soube do meu interesse. Nossa relação era de amizade e respeito muito grandes. Dilma não percebeu nada”, diz o médico, hoje vivenciando um segundo casamento.
Numa da últimas conversas entre Lisboa e Dilma, no primeiro semestre de 2005, quando ela estava à frente do Ministério de Minas e Energia, os dois apresentaram posições antagônicas. Por telefone, falaram sobre um dos projetos mais importantes do governo Lula e claramente defendido por Dilma: a transposição das águas do rio São Francisco. “Eu disse que ela deveria falar para o Lula que a transposição do São Francisco é uma roubada”, afirma Lisboa.

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O médico voltou a procurar Dilma quando soube que a então ministra da Casa Civil estava sofrendo com um câncer. Ele próprio, que também fora vítima da doença, encaminhou um e-mail se solidarizando. Lembra que não recebeu nenhuma resposta. Já durante a campanha eleitoral, em agosto, Lisboa tentou um novo contato. Desta vez, o médico buscou uma reaproximação através de Fernando Pimentel, ex-prefeito de Belo Horizonte e um dos mais íntimos amigos da presidente eleita. “A ideia era que ela fizesse alguma declaração e acenasse que nos ajudaria na questão do São Francisco”, disse Lisboa. “É loucura pensar em desenvolvimento ou meio ambiente como se fossem excludentes. Dilma precisa se reciclar.”

Lisboa só obteve o retorno da equipe petista durante a campanha para o segundo turno. Encontrou-se com Dilma duas vezes, rapidamente, numa sala reservada do Aeroporto da Pampulha, na capital mineira. No primeiro deles, o presidente Lula também estava presente. “Gosto de conversar com ele. Lula é inteligente e criativo. Parecia uma onça amiga, preparada para saltar de uma árvore sobre objetivos estratégicos e vencer a eleição”, afirma o médico. “As condições não eram propícias para uma conversa com enredo, início, meio e fim. Mas eu disse para a Dilma que a questão ambiental no País é complexa. Sugeri que lideranças ambientais se reunissem em Brasília para propor uma agenda que fosse relevante para o Brasil. Ela respondeu que pensaria nisso depois da posse.”

Apesar da distância física, o mestre acompanha os passos de sua antiga aluna e discorda quando ouve comentários de que a presidente eleita é uma pessoa de relacionamento difícil, que é uma chefe autoritária e, até mesmo, grossa. Segundo Lisboa, desde que Dilma era uma estudante secundarista, “carregava um sentimento de urgência e de perfeição” em tudo que se propunha a fazer. O médico explica que uma pessoa com essas características deve ficar profundamente incomodada quando precisa comandar uma estrutura burocrática por natureza. “A Dilma tem uma enorme capacidade de trabalho, de organização e de articulação, mas sinto que sempre teve a necessidade de ter ao lado dela uma pessoa mais carismática, que falasse diretamente com o povo”, afirma.

Lisboa foi um dos expoentes da resistência à ditadura em Belo Horizonte e um dos fundadores do PT em Minas Gerais. Deixou o partido em 1988 porque acreditava que seus companheiros estavam desvirtuando a proposta coletiva de mudar radicalmente o País. “Mas faço uma autocrítica”, pondera. “Eu é que estava errado. Não posso querer levar minha moral individual, familiar e religiosa para a estrutura de Estado. É muito purismo querer fazer política seguindo certas condutas morais e éticas num Estado bandido.”

Na década de 1960, durante cerca de cinco anos, o então líder universitário pregava e ensinava valores como Estado forte e controlador, sociedade de classes, mais-valia e outros preceitos marxistas. Hoje, ele pensa diferente. Muitos de seus conceitos foram revistos e a pauta ambiental ganhou espaço em sua agenda. Lisboa acompanha a política brasileira de perto e tem a convicção de que Dilma também mudou.

De fato, não há mais no vocabulário da presidente eleita temas como revolução do proletariado, estatização da terra e dos meios de produção. Também não se percebe em Dilma uma articuladora excludente. Pelo contrário, a secundarista militante da Polop se tornou uma presidente escorada no mais amplo leque de alianças que o PT conseguiu construir ao longo de sua história.