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PERSONALIDADE
Na primeira infância, Dilma era uma criança tímida, de poucas amizades

 

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Um grupo de crianças corre de um lado para outro no pátio que fica diante do centenário prédio da escola Isabela Hendrix, no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte. Ali, a tarde quente e ensolarada da capital mineira não provoca nenhum incômodo. O calor é abrandado pelas sombras de um conjunto de árvores frondosas – imensas palmeiras imperiais, castanheiras lotadas de frutos, quaresmeiras e ipês com flores coloridas. Quando ouvem o sinal tocar, os alunos retornam às classes, algumas delas com lareiras, tacos no chão e portas de madeira maciça. Cinquenta e oito anos atrás, o cenário era praticamente o mesmo e foram as imagens descritas acima que ficaram na memória da presidente Dilma Rousseff, que estudou no Isabela Hendrix de 1952 a 1954. “Brincávamos de rainha e princesa, subíamos nas árvores, jogávamos bola no pátio”, diz, com lágrimas nos olhos, a médica Marisa Andrade Chaves, que tem os mesmos 62 anos de Dilma e foi companheira de classe da presidente no pré-primário. Em seu consultório no centro da capital mineira, Marisa deixa guardado, ao lado da primeira maleta de médica, um álbum com fotografias do período em que estudou no Isabela Hendrix.

A foto de Dilma está nas páginas iniciais, ao lado do retrato de Marisa. “Dos 4 aos 6 anos de idade, Dilma e eu éramos inseparáveis.”
Se uma única palavra for capaz de definir a maneira de ser de Dilma durante a infância em Belo Horizonte, cidade onde nasceu no dia 14 de dezembro de 1947, esta palavra é introspecção. É isso o que diz Marisa, que jamais esqueceu os motivos que a levaram a se aproximar da futura presidente. Segundo a médica, Dilma era quieta, séria, mais observadora do que protagonista de brincadeiras, o que de certa forma não a favorecia na conquista de amizades. “Como ela passava muito tempo sozinha, decidi me aproximar”, afirma Marisa. Rompida a barreira inicial, Dilma se revelou uma ótima parceira de brincadeiras, como esconde-esconde e pega-pega, embora jamais fosse muito popular entre a garotada. Marisa diz que, apesar disso, Dilma sempre foi uma criança feliz. “Era uma coisa de personalidade mesmo, ela não era do tipo que fazia muito barulho, apenas gostava de ficar no seu canto, sem incomodar os outros.”

No começo dos anos 50 do século passado, o Isabela Hendrix era um colégio de elite, um dos mais fortes de Belo Horizonte, e as aulas convencionais eram compartilhadas com estudo de música e de línguas estrangeiras, como inglês e francês. Dilma era levada para a escola de carro, pelo pai – à época, possuir automóvel era para poucos – e vestia um uniforme que a maioria das crianças detestava (macacão listrado azul e branco). “Éramos obrigadas a decorar o ‘Hino Nacional’”, diz Lúcia Leiga, atual diretora do colégio e que também frequentou o pré-primário nos anos 50, embora não tenha nenhuma lembrança de Dilma naquele período. “Uma vez por semana, ouvíamos histórias bíblicas, o que marcou muito todas as meninas.” Nessa fase de sua vida, Dilma não deu nenhum sinal de que poderia chegar ao posto mais alto da nação. Na formatura do pré-primário, em vez de Dilma, a médica Marisa foi a escolhida para ser a oradora da turma e ela fez um discurso, presenciado por todos Rousseff, que destacava o valor das verdadeiras amizades.

Em casa, Dilma não era muito diferente da aluna discreta. Enquanto o irmão Igor era o rei do pedaço, conhecido na vizinhança por suas estripulias por vezes ousadas demais (como atirar pedras em janelas), Dilma passava a maior parte do tempo dentro do sobrado da rua Major Lopes, no bairro São Pedro, que fica a cerca de quatro quilômetros do Isabela Hendrix. A região onde Dilma cresceu concentrava a classe média alta da cidade. Rodeada de verde, com um córrego de água límpida, permitia que as crianças brincassem livremente pelas ruas, que ainda não tinham sido invadidas pelos carros. “Era um lugar lindo, bucólico, e todos os vizinhos mantinham uma forte amizade”, afirma Natércia Pereira Leite, 75 anos, que mora na mesma casa desde que nasceu. Natércia é uma das últimas vizinhas que tiveram contato próximo com a família Rousseff a viver no mesmo lugar. Apenas cinco casas separam a sua residência do imóvel dos Rousseff. “O Igor era um furacão e a Dilma estava sempre estudando, com algum livro debaixo do braço”, diz Natércia. Por influência do pai, a hoje presidente devorou na infância a obra completa de Monteiro Lobato e leu escritores populares no mundo inteiro, como Júlio Verne, autor de “Vinte Mil Léguas Submarinas”.

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ESCOLA
Os irmãos Dilma, Zana e Igor (da esq. para a dir.) receberam educação de qualidade.
À direita, o elitista Isabela Hendrix, onde Dilma estudou

 

Natércia lembra que uma das famílias mais bem-sucedidas da rua era a do patriarca Pedro Rousseff. A casa era cuidada por três empregados e sempre tinha um carro na garagem. Como todas as pessoas que ansiavam por reconhecimento social, os Rousseff exibiam um piano na sala e as três crianças (Dilma, Igor e Zana) eram obrigadas a estudar música, muito embora nenhuma delas demonstrasse muita vocação para isso. Nos finais de semana, o pai, Pedro, a mãe, Dilma, e os filhos do casal podiam ir nadar no clube Campestre ou fazer alguma viagem pelo interior de Minas Gerais. Nas férias, Pedro levava o clã inteiro para o Rio de Janeiro. Às vezes, para as praias de Guarapari, no Espírito Santo. Detalhe: sempre de avião. Há 50 anos, viajar de avião era proibitivo para a classe média. Só quem estava muito bem de vida era capaz de bancar as passagens. “Os Rousseff eram uma família muito bonita, especialmente a mãe, uma das mulheres mais lindas que já vi”, diz Natércia.

Dona Dilma, hoje com 86 anos, ainda é a proprietária do imóvel onde a presidente passou a infância. Atualmente, funciona ali um bufê para festas. Nos últimos 20 anos, a estrutura da casa foi mudando de acordo com o ramo de atuação das empresas que alugavam o imóvel. O local já foi butique de roupas e restaurante. Recentemente, a reportagem de IstoÉ esteve no endereço. As paredes dos dormitórios foram derrubadas para dar lugar a um amplo salão. No banheiro, azulejos antigos e uma banheira – outro luxo dos Rousseff – inutilizada pelo tempo. Na cozinha, fornos e fogões industriais. Se na infância de Dilma o espaço era usado para as refeições servidas à francesa, com talheres, pratos e copos organizados de forma caprichosa, hoje ali são preparados salgados para festas de casamento. Uma das únicas estruturas que permaneceram é a imensa porta de entrada, de madeira nobre. “A casa mudou, a rua mudou, os vizinhos mudaram”, diz Natércia. A bucólica via em que Dilma cresceu hoje é ocupada por empresas e carros passam o tempo todo, a toda velocidade.

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FORMAÇÃO
No alto, a amiga de infância Marisa. Acima, o clã Rousseff (Dilma está no colo do pai).
A futura presidente foi uma criança que preferia os livros às brincadeiras

 

Depois que Dilma concluiu o primário, Pedro Rousseff decidiu alfabetizá-la em uma escola de mais renome. Em 1955, Dilma foi transferida para o Colégio Nossa Senhora de Sion, um dos mais tradicionais da cidade. O Sion, um colégio católico e exclusivo para meninas, tinha no currículo, além das disciplinas convencionais, aulas de francês, inglês e latim. Para preparar as crianças para futuros casamentos, elas eram talhadas em trabalhos manuais, como bordado e tricô. Segundo a colega de escola Sandra Borges da Costa, 63 anos, Dilma não era das alunas mais populares. “Ela era tímida”, afirma Sandra, que a chamava de Dilminha naquele período. A amiga diz que Dilma, a exemplo de sua passagem pelo Isabela Hendrix, jamais foi uma das líderes da turma. A professora Apparecida de Almeida confirma que a futura presidente, embora estudante séria e dedicada, não estava no grupo dos alunos que chamavam a atenção. Ela começou a se destacar na adolescência, quando ficou claro para as colegas que Dilma tinha um repertório literário superior ao da maioria das meninas da mesma idade. A futura presidente foi até invejada quando ganhou do pai a obra completa de Jorge Amado, escritor malvisto pela elite mineira, por seus livros impudicos e por sua militância política (Amado era comunista). Naqueles tempos ingênuos, porém, as amigas não se lembram de uma única vez em que Dilma tenha falado sobre política ou que tenha demonstrado a vocação rebelde, que mais tarde a levaria a ser presa pela ditadura. Se na juventude Dilma levou uma vida repleta de fortes emoções, na infância ela foi uma garota discreta, marcada pelos confortos que só o dinheiro é capaz de oferecer. Mas logo o mundo se revelaria bem mais difícil para Dilma. A suave criança virou uma militante aguerrida.

 


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