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MUDANÇA
O canto gregoriano, tradição entre os beneditinos.
Em saídas informais, eles podem dispensar o hábito preto

Os sinos do imponente relógio de fabricação alemã da igreja de São Bento acabam de anunciar nove horas da manhã. A poucos metros dali, um guia turístico cercado por uma dezena de pessoas aponta para a onipresente construção fincada no centro da capital paulista desde 1598 e diz: “Aquele é o Mosteiro de São Bento. Ali vivem monges enclausurados que nunca saem.” Dez minutos mais tarde, o alagoano João Baptista Neto, 28 anos, monge beneditino desde 2006, passa o crachá na catraca de acesso do complexo católico, formado ainda pelo colégio e pela faculdade de São Bento, e deixa o local caminhando tranquilamente pelas ruas da região central de São Paulo. Não fosse esse pequeno intervalo, o grupo de turistas teria a chance de presenciar que a rotina monástica dos religiosos de São Bento vai muito além do isolamento. “A vida de clausura e a externa não se confrontam para nós”, afirma o abade Mathias Tolentino Braga, 44 anos, há quatro à frente do mosteiro.

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O irmão João Baptista sabe bem disso. Naquela manhã ensolarada na capital paulista, ele havia deixado as dependências do mosteiro em direção a um charmoso café na esquina das ruas São Bento com a Boa Vista. Uma segunda-feira por mês acontecem ali palestras filosóficas organizadas pelos monges, que se misturam a outras cerca de 100 pessoas e, entre uma xícara de café e outra, colocam o papo em dia. Esses religiosos, que costumam vestir pesados hábitos pretos, podem, ainda, ser vistos em outros endereços da cidade, além do largo de São Bento (onde está o mosteiro) e o café filosófico mensal. “Interagir com o mundo é fundamental para que o monge conheça a si próprio. E uma das maneiras mais ricas de fazer isso é por meio da arte – do cinema, do teatro, da pintura…”, afirma dom Mathias.

“Interagir com o mundo é fundamental para o monge. Uma das maneiras mais ricas
de fazer isso é por meio do cinema, do teatro, da pintura”
Mathias Tolentino Braga, abade do Mosteiro de São Bento

Com a licença prévia do abade, os 40 monges que vivem no complexo religioso de São Paulo têm a liberdade de atravessar os muros do mosteiro e frequentar o efervescente circuito cultural paulistano. A intenção dessa incursão ao mundo exterior é, segundo o superior beneditino, complementar a formação desses religiosos, que já é bastante sólida – a ordem de São Bento é conhecida mundialmente pela invejável estatura intelectual de seus membros. Quando saem para atividades nas quais representam a Igreja, como ocorreu, recentemente, numa abertura de exposição de arte barroca, na qual entoaram o famoso canto gregoriano, eles optam por usar o hábito. Mas nas saídas extraoficiais, ou menos formais, podem até circular à paisana.

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PAPO CABEÇA
O monge João Baptista em um café na região
central de São Paulo, onde acontecem palestras filosóficas

O irmão João Baptista, que já teve a oportunidade de assistir a uma ópera no Teatro Municipal, conta que os beneditinos conservam a tradição católica com sutis inovações. Abrir as portas do belíssimo mosteiro para que 150 pessoas desfrutem um brunch preparado pelos religiosos – evento que ocorre uma vez por mês – é uma delas. “Temos de acompanhar a mensagem dos tempos”, diz ele. Bibliotecário do local, João Baptista é a prova de que optar pelo monastério não significa fechar os olhos para a vida fora do clausura.
Há um ano e meio ele criou o blog da biblioteca do mosteiro e, desde então, o administra – recebe, diariamente, 450 visitas. O monge também possui outro blog, no qual posta fotos do claustro. “Imagens do mosteiro que você nunca viu” é a mensagem que consta na página inicial. Viver em sociedade, praticando atividades comuns a qualquer civil, não significa para os beneditinos rezar fora da cartilha católica. Dentro do São Bento, os monges acordam religiosamente às 5h, produzem o pão que comem, cuidam do jardim, limpam os quartos e param para rezar até sete vezes ao dia. Fazem as vezes de mordomo, ecônomo, alfaiate, arquivista e, assim, administram a casa. Dessa forma, conservam a tradição do claustro, respeitam o silêncio e se dedicam à contemplação. Porém, o atual grupo religioso de São Paulo vive um período de renovação que há muito não acontecia.

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A clausura do mosteiro abre seus
portões para um brunch

 

RITUAL
A permissão para sair não mudou a rotina monástica: eles
acordam às 5h, fazem o próprio pão e rezam até sete vezes ao dia

Nos últimos 17 anos, 21 beneditinos com mais de 80 anos faleceram. Hoje, a média de idade dos cerca de 40 que lá vivem é de 30 anos. E apenas um é octogenário. Em um grupo jovem, portanto, muitos deixam o mosteiro pela manhã para estudar. E completam a formação humana e intelectual frequentando eventos culturais. Claro, sempre com moderação. “Domingo é para se guardar ao Senhor, quando se intensifica a vida litúrgica. Então, não dá para a gente sair, ir ao cinema. É para ficar em casa”, explica dom Mathias.
Sábado, contudo, é dia do passeio comunitário, quando 15 monges sobem numa van rumo a uma das casas de propriedade dos beneditinos – uma de campo, em Itu, no interior paulista, e outra de praia, em Itanhaém, no litoral sul. Nelas, eles reproduzem a rotina da clausura, com a possibilidade, porém, de assistir à tevê, ir à piscina ou fazer passeios. Aos 23 anos, o irmão Lourenço Palata Viola elege a caminhada na praia seu programa predileto nesses momentos. “É bom ver o mar, contemplar em frente a ele”, diz. De volta a São Paulo, Viola responde pela manutenção da sacristia. Fora do mosteiro, costuma frequentar livrarias, principalmente católicas, pelo menos uma vez por semana. E lança mão do computador para pesquisar, escrever e atender pessoas por e-mail.

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PLUGADO
O irmão Lourenço presta
atendimento por e-mail

Esse trabalho intelectual extramuros é fundamental para a missão do beneditino, religioso de quem sempre se espera um conselho, explicam. Afinal, o monge precisa saber o que está no coração do seu semelhante, estar antenado com as questões que o afligem, para melhor orientá-lo. “Erroneamente, muitos pensam que estamos dentro do mosteiro e fora do mundo que nos cerca. Não! Estamos em diálogo com o que está acontecendo, mas com a missão de transformar esse mundo com a palavra do nosso senhor Jesus Cristo”, finaliza o irmão João Baptista. Para evangelizar e servir, eles sabem que precisam atravessar portas e ultrapassar muros.

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