Finda a maratona que é escrever uma telenovela, corro atrás do prejuízo e tento colocar a vida em dia, vendo tudo aquilo que todo mundo já viu, comentou, guardou ou esqueceu. De modo que vou chover no molhado, mas não posso evitar, já que, tal qual a Carolina do Chico, o tempo passou na janela e, aparentemente, só eu não vi.

Assisti a Milk, sobre a vida do ativista gay Harvey Milk, e o trabalho de Sean Penn é realmente uma coisa estupenda, como diria uma de minhas tias, debruçada sobre a mesa de ladrilhos na copa. O filme, é claro, trouxe lembranças de uma época que ficou guardada no labirinto, mas que é de fácil acesso, já que as luzes e a música frequentemente me levam até lá. Donna Summer está sempre cantando em algum lugar nessa parte do meu labirinto e como, atualmente, a navegação em rede nos proporciona viagens sem fim, lá fui eu atrás das histórias daquele tempo.

Fui atrás de Anita Bryant, a cantora americana, ex-candidata ao título de Miss Estados Unidos, que um belo dia resolveu empreender uma cruzada de ódio e repúdio aos direitos civis que os movimentos gays da época tentavam conseguir a todo custo, lançando a campanha Salvem as Nossas Crianças. Que fim terá levado Anita? Eu me perguntei e enfunei as velas, em busca de uma resposta. A história é, no mínimo, curiosa.

Anita, além de uma cantora de relativo sucesso, era a imagem e porta-voz da Citrus Comission da Flórida e a retaliação da comunidade gay deu-se por aí. Todos os bares gays dos Estados Unidos deixaram de incluir o famoso screwdriver (vodca e suco de laranja) em seus cardápios e lançaram um drinque batizado em homenagem a sua opositora.

O Anita Bryant era um drinque feito de vodca e suco de maçã. O boicote logo ganhou a adesão de estrelas do show business e o prejuízo da Citrus Comission da Flórida foi tão expressivo que eles tiraram Miss Bryant de cena, rompendo o contrato com ela. Dois anos depois, na alvorada da década de 80, Miss Bryant já havia se arrependido, mas aí seu casamento tinha desmoronado e ela foi ladeira abaixo, vítima da própria intolerância. Hoje, aos 69 anos, vive falida e esquecida no interior de Oklahoma, provavelmente afogada no ódio que cultivou durante aquele período.

É curioso como todos nós aprendemos cedo sobre a intolerância. Geralmente sussurrada nos corredores, uma palavra encharcada de raiva, um olho assustado logo acima. Todos nós aprendemos a intolerância muito antes de falar. Vem junto com os anticorpos. A Guerra da Laranja é, entretanto, um bom exemplo de como lidar com ela, porque a sociedade de consumo caminhou apressadamente para um beco sem saída e nosso mundo globalizado, que nós acreditávamos seria de maior entendimento, cada vez mais nos afasta e segrega.

Todos nós, independentemente de credos, opções sexuais e raça, queremos esperança e já percebemos que ela não vai simplesmente pousar nas almas. Esperança conquista-se. E é a palavra redescoberta que vai nos fazer acreditar, enfim, que o amanhã será melhor amanhã.