Joga pedra na Geisy, joga bosta na Geisy, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geisy! Nos milhares de vídeos colocados no YouTube sobre o cerco à estudante Geisy Arruda, a trilha sonora é composta por urros, berros e agressões verbais.
Mas se todo esse barulho pudesse ser substituído por uma única canção, ela seria “Geni e o Zepelim”, do compositor Chico Buarque.Aquela em que a vítima apanha porque pediu para apanhar. Ou porque, à primeira vista, na superfície, parece ser diferente dos outros.

Em todos os linchamentos, a lógica é idêntica. Sempre há uma fagulha, um líder que espalha a chama da violência e uma multidão ensandecida que carrega as tochas da intolerância. No caso de Geisy, a faísca que a fez “merecedora” das agressões foi um vestido curto, como se uma simples minissaia pudesse abalar a moral e os bons costumes de São Bernardo do Campo, em pleno país do fio dental.

Mas os agressores da sociedade brasileira não são apenas os trogloditas da Uniban. Eles estão por toda parte – e, em alguns casos, são tidos até como pessoas cultas, esclarecidas e refinadas. Na mesma semana em que Geisy foi cercada pela turba, o presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo, que se apresenta como um intelectual do futebol, sugeriu que “enchessem de porrada” o juiz Carlos Eugênio Simon.

Depois, ao ser questionado sobre a incitação à violência, ele foi além. “Espero que o torcedor decida de acordo com sua consciência e com
as circunstâncias.” Foi como se soprasse nos ouvidos da Mancha Verde, a torcida organizada do seu time, a mesma canção: Joga pedra no juiz, joga bosta no juiz, ele é feito pra apanhar, ele é bom de cuspir… O curioso é que, em geral, os promotores de linchamentos são valentes apenas quando estão em grupo. Individualmente, costumam ser covardes, misóginos, homófobos e até medrosos – incapazes de
encarar uma simples formiga.

Mas a multidão os protege. No livro Massa e Poder, o italiano Elias Canetti decifrou o fenômeno. Na agressão, “todos os braços saem como de uma e da mesma criatura”.

E não há perigo porque a superioridade ao lado da massa é total. Por fim, consuma-se a execução. “

Um assassinato sem risco, permitido, recomendado e compartilhado com muitos outros.”

Na semana passada, Belluzzo, que além de presidente do Palmeiras é também dono de uma faculdade privada, demonstrou ter todos os atributos para ser reitor da Uniban. Mas no jogo seguinte, quando seu time foi favorecido pela arbitragem, o valentão se calou.