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O enredo que transformou a paulistana Vanda Pignato em futura primeira-dama de El Salvador daria uma novela. Ela dirigia o Centro de Estudos Brasileiros da embaixada do Brasil no país centro-americano quando foi convidada a opinar sobre a importação de um pacote de telenovelas. Na sede do potencial comprador, o Canal 12, ela pediu para conhecer o principal jornalista da emissora, Mauricio Funes, que também era o correspondente da CNN em El Salvador. "Eu era fã de seu estilo destemido e independente", contou Vanda à ISTOÉ, lembrando-se do primeiro encontro entre os dois, ocorrido há 15 anos. "Foi paixão à primeira vista, até agora com todos os lances felizes de uma boa novela." No mais recente – e concorrido – capítulo estrelado pelo casal, Funes, 49 anos, terminou eleito presidente de El Salvador pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), a organização guerrilheira que abandonou as armas em 1992, depois de 12 anos de guerra civil. "Triunfou a cidadania, que acreditou na esperança e venceu o medo", afirmou Funes na noite do domingo 15, lembrando o discurso de vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Pouco antes, a Arena (Aliança Republicana Nacionalista), no poder desde 1989, admitira a derrota de seu candidato, o engenheiro e exchefe de polícia Rodrigo Ávila.

Cinco dias depois, ao lado da futura primeira- dama, Funes desembarcou em São Paulo e foi direto para a casa dos pais de Vanda, no Tatuapé, tradicional bairro de classe média. Lá, eles reencontraram o filho, Gabriel, de apenas 17 meses, trazido para São Paulo no final de janeiro, no auge do acirramento da campanha eleitoral. "Foi uma separação dramática, mas não tínhamos outra alternativa, pois havia muita ameaça contra nós", diz Vanda, que foi mãe aos 45 anos. "Nas noites de insônia, eu e o Mauricio ficávamos com lágrimas nos olhos, lembrando do Gabriel. Doía muito, mesmo sabendo que ele estava com meus pais e minhas irmãs, cercado de carinho e proteção." O reencontro da família se deu no bairro para o qual Vanda se mudou ainda adolescente – ela nasceu na Penha, na mesma região – e viveu até os 27 anos. Mesmo naqueles tempos, quando atuava como advogada, na área de direitos humanos, sua trajetória estava vinculada a El Salvador, por meio de comitês de ajuda humanitária. À época, conheceu seu primeiro marido, o salvadorenho Ernesto Zelayandía, representante da então guerrilha da FMLN no Brasil.

Quando Vanda se mudou para El Salvador, em 1992, a FMLN já havia se transformado em partido político, ponto de partida para o ciclo de quatro tentativas de chegada ao poder pelas urnas, concretizado na semana passada. Contratada pelo Itamaraty em 1993, durante o governo Itamar Franco, Vanda assumiu, então, a direção do centro de estudos da representação diplomática brasileira, cargo do qual está para se demitir, devido à incompatibilidade com o papel de primeiradama. "Ela tem um forte poder de articulação", conta José Américo, seu amigo de mais de 20 anos, vereador de São Paulo pelo PT, que esteve em El Salvador durante a última semana da campanha eleitoral. "Do samba à literatura, ela faz um trabalho incrível de divulgação do Brasil em toda a América Central." A própria Vanda, que se naturalizou salvadorenha em outubro passado, diz ter perdido a conta das exposições e mostras que ajudou a realizar. "Há também alguns feitos simbólicos que me emocionam muito, como ter conseguido que a Prefeitura de San Salvador mudasse o nome da rua onde fica a nossa embaixada para avenida Embaixador Sérgio Vieira de Mello", diz, referindo-se ao diplomata brasileiro morto em 2003, durante um atentado à bomba à sede das Nações Unidas em Bagdá, no Iraque.

Nos últimos 16 anos, paralelamente ao trabalho pelo qual era remunerada pelo governo brasileiro, Vanda também se destacou pela militância política. Fundadora e integrante da Secretaria de Relações Internacionais do PT, onde é conhecida pela habilidade em articulações de bastidores, ela representava o partido em toda a América Central. Foi também por sua iniciativa que o presidente eleito de El Salvador se aproximou de Lula, há cerca de 13 anos, e jamais perdeu o contato. "Desde o primeiro momento, rolou uma boa química entre os dois", diz.

Na campanha eleitoral, no entanto, os adversários de Funes exploraram à exaustão a mensagem de que, se eleito, o candidato da FMLN transformaria El Salvador em "um satélite da Venezuela". De acordo com o marqueteiro brasileiro João Santana, coordenador da campanha de Funes, que também atuou na campanha que reelegeu Lula, das 6.296 inserções publicitárias da Arena, 2.852 se referiam diretamente a Hugo Chávez, presidente da Venezuela. "Foi uma campanha de terror", resume o marqueteiro.

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No país, um alinhamento incondicional com a Venezuela representaria o estremecimento das relações com seu parceiro mais tradicional, os Estados Unidos. E apenas as remessas de recursos enviadas pelos mais de dois milhões de salvadorenhos radicados nos Estados Unidos representam cerca de 17% do PIB de El Salvador. Por isso, assim que se elegeu, Funes prometeu um governo de reconciliação nacional e reforçou em público que é "mais identificado com Lula do que com Chávez". Lula também tem feito a sua parte. Não foi à toa que o presidente americano Barack Obama, ao telefonar para Funes na manhã da quarta-feira 18, começou a conversa dizendo que sua vitória não havia sido uma surpresa para ele. Na sequência, Obama contou que tinha sido alertado por Lula, com quem se encontrara no sábado anterior, para a pessoa "de total liderança" que sairia vitoriosa das urnas salvadorenhas.


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