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DETERMINAÇÃO
Ariane faz faculdade até as 2h e sonha
com cargo de gerência
  

A bancária Ariane Fernandes, 27 anos, sai de casa às 6h30, leva o filho à escola às 7h, entra no trabalho às 8h e deixa o local às 17h30. Quando chega em casa, faz serviços domésticos e janta. Seria uma rotina normal não fosse um detalhe: após colocar a criança na cama, às 22h, ela não vai dormir. Pega os cadernos e segue para a faculdade, onde frequenta o curso tecnológico de gestão de recursos humanos até quase 2h.

Ariane é um dos mil alunos que estudam em horários alternativos na UniÍtalo, faculdade paulista pioneira em oferecer cursos de graduação de madrugada, em dois turnos – das 23h à 1h45 e das 5h45 às 8h30. Os alunos-coruja respondem por 10% do total de dez mil estudantes, o dobro de quando a novidade surgiu, há dois anos. E agora há até pós-graduação. O objetivo da faculdade é atender, sobretudo, uma classe emergente ávida por qualificação. “Essas pessoas agora têm poder aquisitivo e querem estudar”, afirma o diretor Wanilson Benevenuto. Ele garante que a qualidade é a mesma dos turnos convencionais, tanto na carga horária quanto no currículo. Assim como os professores, que antecipam ou prolongam o expediente. “Tinha desistido de fazer faculdade para poder ficar com meu filho à noite”, conta Ariane, que sonha disputar uma vaga de gerência.

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FOCO
Meia-noite é a única hora que
Johansson tem para se especializar

O preço é outro atrativo: 50% mais barato. Por causa do desconto, o auxiliar de cargas Carlos Augusto Haderspek, 34 anos, se matriculou no curso de logística. Casado e pai de dois filhos, ele vende o vale-refeição para pagar a mensalidade de R$ 200. “Depois quero fazer uma pós”, diz. “Só assim para o meu salário dobrar.” Em Porto Alegre, funciona há quatro anos o único Senac 24 horas do Brasil, com aulas a cada duas horas da meia-noite às 8h. Já se formaram 1,2 mil alunos nos seis cursos profissionalizantes oferecidos nesses períodos, que têm 40% de desconto. “São alunos muito motivados porque não têm outra opção de horário para estudar”, diz José Paulo da Rosa, diretor do Senac do Rio Grande do Sul. É o caso do militar Diego Armando Neves Johansson, 24 anos, que cursa manutenção de computadores da meia- noite às 2h. Ele também é dono de uma lan house e seu plano é abrir uma empresa de informática no ano que vem.

Se a proliferação de faculdades privadas de qualidade duvidosa já é um problema, o turno da madrugada gera ainda mais desconfiança. “Se a classe C não pode pagar uma faculdade, deve-se democratizar o acesso à universidade pública, não criar estas distorções”, diz José Marcelino de Rezende Pinto, especialista em qualidade na educação pela Universidade de São Paulo. Ele critica a falta de fiscalização das faculdades privadas que disputam os estudantes a tapa. “Estão oferecendo um produto menor para um público que necessita de um cuidado maior porque já carrega deficiência na educação.” O Ministério da Educação não restringe o horário dos cursos, apenas analisa critérios como grade curricular e carga horária. Alheios a esta discussão, e com pressa de ascender socialmente, os alunos-coruja só veem um caminho: o do diploma.

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