O diretor americano Steven Soderbergh não tem o perfil de um cineasta politicamente engajado, e também não se incomoda de assinar a direção de grandes produções de Hollywood. Em sua carreira ele já fez de tudo um pouco: despontou no meio cinematográfico na década de 80, com um filme independente, Sexo, mentiras e videoteipe, e depois não se intimidou em ter uma estrela do porte de Julia Roberts como protagonista em Erin Brockovich, produção que rendeu um Oscar à atriz e o tornou famoso. Com a série Onze homens e um segredo ganhou bastante dinheiro.

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É a primeira vez, no entanto, que ele envereda pela arriscada seara política – Soderbergh finalizou no ano passado a cinebiografia Che, que conta a história do mítico guerrilheiro argentino Ernesto Guevara de la Serna, e é protagonizada e coproduzida pelo ator Benicio del Toro.

No elenco estão Demián Bichir, como Fidel Castro, e o brasileiro Rodrigo Santoro, que interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel. Entre pesquisas e filmagens, o longa-metragem levou dez anos para ficar pronto e teve um custo de US$ 61 milhões – é a segunda produção mais cara do diretor, a maior já dedicada à história do guerrilheiro e, definitivamente, a mais longa: tem quatro horas e 28 minutos.

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Ao ser finalizada, surgiu um problema com a ambiciosa e megaprodução: tratava-se de um filme muito caro para ficar restrito a salas que exibem filmes de arte e ao mesmo tempo denso e longo demais para alcançar grandes audiências. A solução foi dividi-lo em duas partes: Che – o argentino (que estreia no Brasil na sexta-feira 27) retrata a batalha de Sierra Maestra e a derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista, baseando-se em dois diários escritos por Che: O argentino e Reminiscências de uma guerra cubana revolucionária. A segunda parte, A guerrilha, que deve chegar em maio aos cinemas brasileiros, reconstitui a fracassada luta que Che empreendeu na Bolívia, onde acabou executado em 1967, e baseou-se no Diário da Bolívia. O interesse de um diretor americano em refilmar a história de Che Guevara (o último cineasta dos EUA a realizar uma cinebiografia sobre ele foi Richard Fleischer, em 1969) mostra que o mito ainda desperta reflexão e curiosidade. E também fúria. É o caso do filósofo argentino Juan José Sebreli, que acaba de lançar o livro Comediantes y mártires, em que demole alguns ídolos argentinos, entre eles, Che, que descreve como um guerrilheiro fracassado, prepotente e burro funcional. "Che foi pouco mais que um aventureiro, um líder egocêntrico elevado à categoria de mito impoluto depois da sua morte", diz ele.

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DUAS VEZES GUEVARA Com mais de quatro horas, o filme foi dividido em duas partes. Uma retrata Che (à dir.) na guerrilha para tomar o poder em Cuba e a outra, na Bolívia, onde foi morto

Avesso a ideologias e a rótulos, o cineasta Soderbergh não engrandece Che e tampouco busca compreendê- lo em suas ações. Em contrapartida, humaniza o mito. Retrata-o durante as suas violentas crises de asma nas trilhas pela floresta, nos momentos em que era ajudado pelos outros guerrilheiros ou quando trabalhava como médico nos acampamentos. No papel de comandante, condenava à morte os que roubavam ou violentavam mulheres. Fica-se sabendo no filme que Guevara era um revolucionário mais impiedoso que Fidel Castro e que foi o verdadeiro cérebro da operação. Castro é descrito como bom estrategista e líder natural e carismático. Ao analisar o seu próprio filme, o diretor faz questão de frisar, quase como um mea-culpa: "Eu definitivamente não sou comunista. Inclusive não acredito que houvesse um lugar para mim na sociedade que Che estava tentando construir." Ele atribui o interesse desse momento político ao seu aspecto anacrônico:

"Foi a última vez que existiu uma guerra como aquela. Com a avançada tecnologia bélica de hoje, aquele combate não duraria dois anos. Teria terminado em no máximo duas semanas."

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Sierra Maes tra Fidel Castro (Demián Bichir) e Che Guevara (Benicio del Toro) montam estratégia para derrubar a ditadura em Cuba

Por ser americano, o diretor não obteve autorização de filmar em Cuba. Boa parte das cenas foi reconstruída em estúdio em Nova York ou em locações no México, Bolívia e Porto Rico. Nessa fase das filmagens o diretor assumiu publicamente sua posição contrária ao embargo econômico a Cuba: "É algo inaceitável hoje e incompreensível." Para não perder credibilidade na reconstituição da história, Soderbergh viajou à ilha caribenha para conhecer os lugares que teria de recriar. O início do filme é ambientado na Cidade do México e se passa em um apartamento onde Che Guevara e Fidel Castro se conheceram por intermédio de amigos comuns num jantar, em 1955. Na sequência, já estão viajando de barco em direção a Cuba com outros 80 rebeldes para o começo da ação revolucionária pela floresta de Sierra Maestra.

Ao longo da trajetória dos revolucionários rumo ao quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, o grupo é dividido em três colunas, cada uma liderada por um comandante. A câmera segue a coluna de Che e, simultaneamente, cenas em preto-e-branco exibem uma palestra proferida por ele, em Nova York, em 1965, quando era ministro das Finanças, e trechos de uma entrevista concedida na mesma época. Isso antes de ele deixar o governo de Cuba para seguir em sua obsessão de levar a revolução a todos os países da América Latina. O historiador John Lee Anderson, autor da principal biografia de Che Guevara, foi consultor permanente da produção. Indagado se o roteiro não omitira passagens importantes da trajetória do guerrilheiro, como as execuções por ele ordenadas após a revolução, ele disse: "Che é um mito e há milhões de Ches – ele significa algo diferente para cada pessoa."

Rodrigo Santoro vive o guerrilheiro Raúl Castro na juventude

O personagem de Raúl Castro, atual presidente em exercício na ilha de Cuba, é mais uma experiência do ator brasileiro Rodrigo Santoro no cinema americano, onde conquistou diversos papéis nos últimos anos. A semelhança entre o ator e o então jovem guerrilheiro Raúl Castro foi um dos fatores que contribuíram para que Santoro fosse o escolhido para essa produção. Ele é o único brasileiro a integrar o elenco formado por artistas de diversos países latino-americanos – e esse foi um dos argumentos usados por Santoro para ser selecionado. Fã de Che Guevara, o ator passou dois meses em Cuba se preparando para interpretar o personagem que, na época, foi um dos principais parceiros de Fidel Castro na condução da revolução. Santoro foi a Sierra

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Sierra Maes tra Fidel Castro (Demián Bichir) e Che Guevara (Benicio del Toro) montam estratégia para derrubar a ditadura em Cuba 


Preparação Santoro viajou a Cuba para encarnar o irmão de Fidel Castro
Maestra e leu tudo o que pôde sobre o irmão de El Comandante. Ele classificou como uma experiência inesquecível o tempo que passou na floresta de Porto Rico filmando as cenas de guerrilha do filme.

 


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