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PRÓXIMOS PASSOS Em dois meses,
Nicolelis irá testar a eficácia da intervenção
no cérebro de saguis. Pretende avaliá-la em
humanos em um ano

Pesquisadores do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, liderados pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, desenvolveram um caminho novo e bastante promissor para tratar os pacientes do mal de Parkinson. O método se utiliza de descargas elétricas dadas na medula espinhal (feixe de células nervosas abrigado pela coluna vertebral) que penetram no cérebro e agem sobre a comunicação entre os neurônios ligados ao movimento.

A função desse choque é reorganizar os padrões da atividade elétrica no cérebro, que ficam caóticos na doença. A desorganização leva à perda do controle motor, provocando desde tremores à perda da memória e à paralisia nos casos mais graves. Por enquanto, os testes foram realizados em animais e terminaram com sucesso. "Acredito que em um futuro próximo nossa descoberta poderá ser aplicada para tratar seres humanos", disse à ISTOÉ Nicolelis, de seu laboratório na instituição americana. O relato da experiência é o tema da capa da última edição da renomada revista científica Science.

Nos testes foram colocados dois eletrodos na superfície da medula espinhal de camundongos, entre as duas primeiras vértebras torácicas. Depois os eletrodos foram bombardeados com descargas elétricas de 300 hertz conduzidas pelo feixe nervoso até o cérebro das cobaias. Essa carga provocou uma parada na troca de mensagens entre as células nervosas.

Nicolelis explica o efeito dos choques: "Os neurônios de pessoas com Parkinson disparam seus pulsos elétricos todos juntos e ao mesmo tempo. Isso gera um padrão oscilatório que faz o cérebro funcionar de maneira anormal", diz. "A descarga elétrica suspende momentaneamente a atividade dos neurônios e permite que voltem a trabalhar depois dessa parada em um padrão normal." Foi essa mudança, segundo o cientista, que permitiu aos animais imobilizados pela doença se locomoverem e realizarem outros movimentos normalmente.

Em dois meses, começarão os testes com saguis no Instituto de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. Eles serão coordenados pelo pesquisador Romulo Fuentes, neurocientista chileno que integra a equipe de Nicolelis e que trabalhará na capital potiguar. A estimativa é de que os testes em humanos comecem em um ano. Neste caso, será implantada uma bateria na medula, que poderá ser carregada. Também será avaliado um protótipo externo, sem a necessidade de cortes.

Comparada ao método de estimulação elétrica cerebral disponível atualmente para tratar o Parkinson, a opção dos cientistas da Duke é menos invasiva. O procedimento – indicado para pacientes em estado grave e que não respondem mais aos medicamentos – baseia-se na introdução de eletrodos em áreas profundas do cérebro através de dois furos no crânio. Esses eletrodos estão conectados a um marca-passo colocado embaixo da clavícula. O aparelho emite pulsos elétricos de intensidade controlada que chegam aos eletrodos por meio de fios colocados sob a pele e o couro cabeludo.

A técnica é menos agressiva do que o procedimento usado hoje para pacientes que não respondem mais aos remédios

Seu propósito também é corrigir impulsos elétricos anormais que resultam na perda do controle motor. Agora, o trabalho do grupo de Nicolelis mostra que é possível fazer a mesma coisa usando como via a medula espinhal, de mais fácil acesso. "Fizemos apenas um pequeno orifício no osso da coluna", explica o brasileiro.

A técnica dos cientistas da Duke não representa a cura, mas seus criadores acreditam que se for adotada desde o início dos sintomas pode retardar a progressão da doença. Além disso, poderia evitar que o paciente se torne dependente de altas doses do medicamento levedopa, indicado contra a enfermidade, mas com sérios efeitos colaterais. Entre eles, alucinações, delírios e movimentos involuntários. Nos animais, foi possível manter o controle da enfermidade usando apenas 20% da dose da medicação ingerida normalmente. Além disso, espera-se que a estimulação da medula sirva também para tratar alterações neurológicas como a epilepsia, o transtorno obsessivo-compulsivo e a depressão.

Outro trabalho, divulgado na mesma edição da revista Science, trouxe mais dados para compreender como funciona a estimulação elétrica aplicada hoje no cérebro. A pesquisa, conduzida na Universidade de Stanford, na Califórnia, centro que reúne alguns dos mais experientes pesquisadores do Parkinson, revela quais são as estruturas cerebrais de cobaias que voltaram a funcionar adequadamente depois das descargas elétricas.

Em vez de áreas mais profundas, a pesquisa mostrou que a estimulação age sobre os axônios, um prolongamento das células nervosas que conduz os impulsos elétricos a outros neurônios. "Como eles são provenientes de áreas mais próximas à superfície do cérebro, essa compreensão pode conduzir a tratame

ntos menos invasivos do que a estimulação profunda", afirma o professor de bioengenharia Karl Deisseroth, principal autor do trabalho.

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