Sabe aquela cena em que uma mulher escultural passa diante de um grupo de homens e todos se viram para olhá-la? Nesse momento, a mente deles viaja. O cérebro envia uma série de comandos que libera hormônios pelo organismo, avisando que é hora de se preparar para uma relação sexual (mesmo que isso não vá acontecer). Reação semelhante tem a mulher que é tocada e recebe beijos em pontos estratégicos do corpo. Mas na vida do escritor André Romano, 28 anos, nada disso faz sentido. O carioca passa dias de sol na praia de Ipanema diante de um desfile interminável de biquínis de lacinho e não tira os olhos do livro. “Não sinto desejo”, diz. “Troco o sexo por atividades culturais e sou muito feliz assim.” André se encaixa no que especialistas começam a chamar de quarta orientação sexual: a assexualidade. Além dos héteros, homos e bissexuais, os assexuais formam uma outra vertente da sexualidade, que não é nova. Apenas as pessoas sem desejo de fazer sexo estariam finalmente assumindo um traço de sua personalidade – até como resposta à pressão por um desempenho sexual fantástico imposto pela sociedade atual, exacerbadamente erotizada.

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SEM LIBIDO André Romano, hétero e sem
sexo há sete anos, não sente desejo:
“Sou feliz assim”

Uma pesquisa do Projeto Sexualidade (Prosex), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo de 2004, revelou que 7% das mulheres e 2,5% dos homens não sentiam falta de sexo. Os dados se repetiram durante o estudo Mosaico Brasil, que terminou no ano passado e entrevistou mais de oito mil participantes em todo o País. Ambos os trabalhos foram coordenados pela psiquiatra Carmita Abdo, que diz ser absolutamente possível alguém viver sem sexo e não sentir falta dele. “Quem transa diariamente não é mais normal do que aquele que não transa nunca”, diz ela. “Não é uma opção, como o celibato, nem doença. É parte do perfil do indivíduo.” A Organização Mundial de Saúde inclui o sexo como um dos indicativos da qualidade de vida, ao lado de itens como atividade física e alimentação equilibrada, desde que seja seguro e prazeroso. “Fazer sexo obrigado é que acaba sendo negativo”, diz Carmita.

Os assexuais (que podem ser tanto héteros quanto homossexuais) não deixam de lado os relacionamentos amorosos. Acreditam, porém, que carinho e romantismo são suficientes para levar uma relação adiante. Romano não faz sexo há sete anos e diz que nunca teve uma decepção a ponto de desistir do envolvimento com alguém. “Namorei cinco anos. O sexo era maravilhoso. Mas, quando acabou, não senti falta. Tenho sentimento, não tesão”, explica.

A internet, com seu poder de agregar pessoas com interesses comuns, foi fundamental para tirar os assexuais da invisibilidade. No Orkut a professora Sandra Ramos, 24 anos, de Santa Catarina, percebeu que outras pessoas compartilhavam dessa mesma visão de mundo. Ela ficou três anos sem vida sexual, por achar que não lhe trazia benefícios. “Nunca foi algo agradável. Para mim, é mecânico”, diz. Namorando há duas semanas, Sandra acaba de voltar a fazer sexo, já que gosta do novo namorado. “Mas troco por um encontro com os amigos fácil”, diz. Por intermédio da rede, o sociólogo americano David Jay, 27 anos, deu início ao movimento assexual. Ele criou em 2001 o site Asexuality Visibility and Education Network (Aven). No primeiro ano, a página com informações sobre assexualidade registrou 50 pessoas. Hoje são dez mil membros, com links em 12 idiomas. “Vivemos em uma cultura na qual as pessoas têm de assumir que são loucas por sexo. Isso é complicado para os assexuais”, disse Jay à ISTOÉ. “Não decidimos gostar ou não de sexo, nascemos assim.” Ele acredita que cada vez mais os assexuais reconhecerão a própria assexualidade e falarão abertamente sobre o tema.

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A sexóloga Ana Maria Zampieri, autora do livro Erotismo, sexualidade, casamento e infidelidade (Ed. Summus), concorda: “A diversidade sexual, que se expandiu com a revolução gay, tornou o cenário favorável para o grupo dos assexuais aparecer.” Segundo ela, terapeuta de casais há 35 anos, pessoas que amam o parceiro mas não o desejam sexualmente sempre estiveram presentes no consultório. “A diferença é que, no passado, isso só era revelado durante o casamento e ficava relacionado ao tempo de convivência”, diz. Como hoje as pessoas casam mais tarde – ou nem casam –, a indiferença ao sexo fica evidente.

Mas o ginecologista Gerson Lopes, coordenador da Associação S.a.b.e.r. – Saúde, Amor, Bem-estar e Responsabilidade, alerta que a falta de libido é uma disfunção sexual que precisa de tratamento terapêutico. “É importante uma avaliação psicológica para saber se quem se classifica como assexual não está mascarando problemas sérios”, diz. O desejo minguado pode ser patologia quando causado por traumas (leia quadro). Quem vive bem trocando uma maratona nos lençóis por um cineminha não precisa se preocupar. Talvez a assexualidade seja apenas o sinal de que um mundo tão sexualizado está à procura de um ponto de equilíbrio. E de que as pessoas precisam se acostumar com as diferenças.

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