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DE GERAÇÃO A GERAÇÃO Laura, 74 anos, e Patrícia, 40 (à dir.), cultuam os ideais desde a infância

Embrenhados na mata, os bandeirantes seguem com mapa, bússola e cantil, exatamente como seus antepassados faziam há um século – mas, hoje, levam também aparelho de GPS, laptop, celulares e outras modernidades tecnológicas. Cem anos após a criação do movimento, em 1909, os jovens que ainda hoje seguem a doutrina continuam com uniforme impecável, uma disciplina quase militar, além de saudações, gritos e hinos do tempo da vovó. Mas, uma vez levantadas as barracas, correm para o computador, conversam entre si através de sites de relacionamento e, de vez em quando, têm o tocador de MP3 e o celular confiscados nos acampamentos. A tecnologia é permitida apenas se ajudar na organização e segurança do encontro. Isso vale para laptops, celulares e walk talkies levados pelos coordenadores. De resto, a ordem continua sendo viver de forma simples em meio à natureza, aprendendo valores de solidariedade e novas habilidades. O bandeirantismo mantém os mesmos princípios, porém hoje realiza encontros também pela internet e consegue unir os jovens que se espalham em 15 Estados.

“Uma vez bandeirante, sempre bandeirante”, brada a coordenadora internacional da Federação de Bandeirantes do Brasil, Maria Olinda Luz. Ao entrar no movimento, toda criança ou jovem de 6 a 21 anos – adultos são admitidos apenas na função de coordenação – fazem uma promessa: seguir para sempre o código de conduta do grupo. Ou seja, ser cordial, leal, amável, obediente, etc. Os sete mil integrantes que a federação estima participarem do movimento no País não chegam perto dos mais de 20 mil que representavam o auge do bandeirantismo na década de 60. Na época, apenas meninas eram aceitas, em geral vindas de famílias nobres das grandes cidades. Os meninos pertenciam ao movimento escoteiro, irmão do bandeirante, fundado pelo mesmo criador, o lorde inglês e major-general Robert Baden-Powell. Sua ideia era misturar técnicas militares a jogos e brincadeiras e criar uma nova forma de aprendizado. “Naquele grupo, nenhum homem mandava. Acampávamos e viajávamos sozinhas. E isso era delicioso”, lembra a escritora, crítica de literatura infanto-juvenil e bandeirante Laura Sandroni, 74 anos, para quem o bandeirantismo foi importante para a conquista dos direitos das mulheres. A partir de 1969, meninos passaram a ser permitidos, mas em muitos países, como Inglaterra e Estados Unidos, o movimento permanece exclusivamente feminino.

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SINAL DOS TEMPOS Eles não acampam mais em locais públicos por medo da violência

Neta, filha e irmã de bandeirantes, a arquiteta Patrícia Silva, 40 anos, de São Paulo, passa para a filha a magia que aprendeu nos acampamentos. Marina, 9 anos, é bandeirante há três e adora armar barraca e dar nós. Para a mãe, um dos melhores ensinamentos aprendidos, entretanto, é o contrário do atual prazer de Marina – ela valoriza a sabedoria de quem desata nós na vida. “Aprendi que é possível encará- la como um grande jogo e ver obstáculos como desafios”, conta Patrícia. Hoje, a maior parte dos bandeirantes da geração de Marina vem das classes média ou baixa, muitos por conta dos projetos sociais que o grupo leva à frente. E o espírito aventureiro também ganhou um limite por conta da violência crescente nas grandes cidades. “Confesso que tive medo de deixá-lo sozinho no mato da primeira vez”, conta Kátia Pinheiro, mãe de Rafael, 17 anos, que entrou há nove para o movimento. “Me tranquilizei apenas quando fui buscá-lo e vi de perto a infraestrutura.”

O planejamento para um acampamento começa com cerca de cinco meses de antecedência. Por isso, em geral, eles ocorrem apenas duas vezes por ano. Um grupo de coordenadores e guias bandeirantes percorre toda a área que será utilizada, estudando a fauna e a flora do local, trilhas possíveis de serem feitas e a estrutura hospitalar da cidade mais próxima. No dia do evento, eles também levam celulares para se comunicarem com os pais e elegem um responsável que irá centralizar as informações do grupo, em caso de ausência momentânea de sinal. O GPS é usado como mais um recurso de segurança em grandes eventos. “Há anos não acampamos mais em lugares públicos por causa da violência”, explica Maria Olinda, da federação. Nestes locais, os grupos fazem apenas encontros diurnos, também cercados de adultos.

“Nossos princípios fundamentais são oferecer bases para os jovens faze rem boas escolhas no mundo moderno”, destaca Marta Arcocha, diretora- executiva do hemisfério ocidental da Associação Mundial de Bandeirantes. Em São Paulo, onde se concentra o maior número de participantes do mo vimento, o ensinamento de Baden-Powell se tornou até disciplina na escola municipal Olavo Pezotti. “Levamos nossa metodologia de educação, que resistiu ao tempo, para a sala de aula e o resultado tem sido bastante positivo, uma grata surpresa”, diz Cláudia Sintoni, presidente da Federação de Bandeirantes do Estado de São Paulo.

 

FOTOS: MURILLO CONSTANTINO, DANIELA DACORSO/AG. ISTOÉ