Economia é uma ciência temperamental. Bom, tenho lá minhas dúvidas se é ciência, mas temperamental certamente é. Sem pedir licença, ela invade nossos lares e remexe as nossas vidas das formas mais inusitadas.

No Brasil, ultimamente, temos assistido ao lado caridoso da madame Economia. Nos últimos anos, muitos brasileiros pela primeira vez tiveram acesso à casa própria, ao carro zero-quilômetro, a uma geladeira nova e colorida ou a uma viagem a Porto Seguro.
Nos Estados Unidos, por outro lado, dona Economia tem andado de mau humor e chacoalhado 
até a estrutura da família americana.
 
A recessão dos últimos dois anos, com a destruição de trilhões de dólares em riqueza e mais de oito milhões de empregos, tem forçado americanos a cancelar a saída da casa dos pais e estudar perto de casa, a postergar a troca do carro e até, em alguns casos, fazer as malas e vir trabalhar por aqui em busca de melhores oportunidades.
 
Para azar das mocinhas casadoiras da terra do Tio Sam, os americanos casaram-se menos no ano passado. Como todo mundo que passou pela experiência sabe, casar custa caro. Com menos empregos e crédito, muitas noivas estão sendo enroladas ou, na melhor das hipóteses, tendo de aceitar apenas juntar os trapos, dispensando papel passado mais festa, vestido e bolo.
 
Quem acha que casar custa caro, espere até chegarem os filhos, fraldas, escola, aulas disso e daquilo. Temerosos, os americanos pisaram no freio também na procriação. O número de nascimentos despencou no último ano. Ampliar a família – ou não – ficou para depois. 
 
Quer dizer que a crise e a recessão estão reduzindo o número e o tamanho das famílias americanas? Não necessariamente. Com a Economia, nada é tão simples.
 
Há um fato na vida familiar que pode custar ainda mais caro que o casório, a lua de mel e até os filhos: uma eventual separação. O número de divórcios despencou por lá. Melhor aguentar a jararaca do que acabar quebrado – parecem estar pensando muitos dos gringos. 
Muitos acreditam que esta recessão americana não passa de uma crise passageira, como tantas outras,  e que tudo logo volta ao normal. Se eles estiverem certos, estas tendências familiares serão revertidas.
 
Infelizmente, eu não tenho a mesma fé. Durante quase três décadas, famílias, instituições financeiras  e o governo americano se endividaram para sustentar um estilo de vida em que o consumo era muito superior à renda. Mais hora, menos hora, chegaria  o inverno e o momento de as cigarras terem de apertar os cintos, poupar mais, pagar dívidas e consumir menos. Desconfio que tal momento chegou. Tentativas do governo americano de aumentar  os gastos públicos só conseguirão, na melhor das hipóteses, postergar o ajuste, roubando do futuro para tornar o presente menos duro.
Se eu estiver correto, é possível que um período longo de desempenho econômico medíocre cause mudanças permanentes na estrutura familiar americana. Menos casamentos, menos filhos e relações desgastadas mantidas apenas por razões financeiras. Pobre sonho americano.
 
 
Ricardo Amorim é economista, apresentador do “Manhattan Connection” (GNT) e do “Economia e Negócios” (Rede Eldorado) e presidente da Ricam Consultoria

 


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