As notícias da morte da candidatura do democrata John Kerry à Presidência eram altamente exageradas. Ao contrário, o que se vê no panorama político dos Estados Unidos é uma assombração que ronda a Casa Branca e provoca terror em seus inquilinos republicanos. Depois de uma série de três debates presidenciais, nova vida política foi injetada nas veias do país. A vantagem de 10 a 14 pontos que o presidente George W. Bush mantinha sobre seu opositor se evaporou e a corrida voltou aos patamares do empate técnico entre os competidores. Um resultado que remete a outro fantasma: o do imbróglio das recontagens do pleito de 2000, só resolvido na Suprema Corte. Teme-se novo fiasco motivado pela irresolução e alimentado pela falha nos mecanismos de apuração de votos e do processo de eleições indiretas a que os americanos são submetidos.

Nas condições em que o sistema eleitoral se encontra, as possibilidades de injustiças são inúmeras. Os Estados do país receberam do Congresso US$ 5,4 bilhões para corrigir seus mecanismos de votação. As emendas dão mostras de terem saído piores do que o soneto. A começar pela Flórida, epicentro da maior confusão de 2000. O governador Jeb Bush, irmão do presidente, autorizou a compra e instalação de máquinas de votação eletrônicas fornecidas pela empresa Diebold. Não se viu conflito de interesses no fato de o presidente da companhia, Wallace O’Dell, ser contribuinte da campanha do Partido Republicano. O pior é que, em 2003, analistas das universidades Rice e Johns Hopkins disseram que não viram “nenhuma evidência de disciplina na engenharia de softwares” da Diebold. Nas eleições primárias de 2 março último, uma torrente de problemas provocados pelo sistema acabou atingindo a maioria dos distritos e deixou dúvidas sobre a escolha do candidato democrata para a disputa ao Senado.

Assim como a Flórida, outros dez Estados votaram eletronicamente em primárias democratas, com máquinas da Diebold, da Eletronic Software & Systems e da Sequoia Corp., todas com ligações com os republicanos e, igualmente, com sérias falhas de sistema. E, desta vez, nem sequer se poderá apelar para a recontagem, já que os sistemas eletrônicos não deixam registros impressos de voto.

Dependendo do Estado onde haja disfunção do processo, a injustiça terá mais agravantes devido ao sistema de Colégio Eleitoral. Dentro deste sistema, o despovoado Wyoming, por exemplo, com apenas meio milhão de habitantes, tem um representante para cada 165 mil pessoas. Já a Califórnia, com 33 milhões de moradores, tem proporcionalmente um representante para cada 600 mil. O número total de votantes no Colégio é de 538 e o candidato que obtiver 270 deles é eleito presidente. Está na Constituição que “eleitores” vindos de cada Estado é que escolhem o vencedor, e não os cidadãos comuns. Cada Estado tem um número de eleitores no Colégio proporcional a seus habitantes. Em 48 Estados, o vencedor nas urnas leva todos os votos dos representantes. Apenas Nebrasca e Maine dão aos candidatos votos proporcionais àqueles obtidos no pleito direto.

Assim, o preferido da maioria dos votantes nem sempre ganha a eleição no Colégio. Isso ocorreu com Al Gore em 2000 e com outros dois candidatos:  Samuel Tilden (1876) e Grover Cleveland (1888). Culpe-se os chamados  “Pais da Pátria”– George Washington, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin & Cia. – por esta anomalia, quando escreveram a Constituição, em 1787. Na época, não existiam partidos e os notáveis fundadores da nação temiam que os cidadãos desinformados, muitos deles analfabetos, votassem em vizinhos e conterrâneos. E também os pequenos Estados do Sul temiam ser esmagados pelos votos de Nova York e Virgínia, com maior concentração de eleitores. De lá para cá, o país mudou muito e mais de 700 projetos de lei tentaram implantar as Diretas-Já. Foram todos derrotados no Congresso.

Crime eleitoral – No Oregon, a Voters Outreach of America, subsidiária da Sproul & Associated, contratada pelos republicanos, rasgou registros de democratas, aceitando só os de republicanos